Quem sabe, na primavera, no verão...
Cardoso Filho
Algo está acontecendo. Talvez seja resultado
do inverno, mas o fato é que o grupo de amigos que frequento na Boca Maldita,
aos sábados, encolheu. Nas manhãs frias ou chuvosas, até faz sentido a redução,
e num desses dias éramos apenas três, o que, convenhamos, é desolador. A
explicação para o fenômeno parece ser fácil: estamos envelhecendo. Sim, o
envelhecimento nos faz mais tímidos diante de clima frio ou chuvoso e nos
prende mais ao abrigo doméstico e calor agradável dos cobertores. Mas a
resposta simples pode esconder mais alguma coisa.
Tem a casa ou apartamento na praia.
Sim, são concorrentes de respeito, especialmente quando espaçosos e
confortáveis e situam-se no litoral do Paraná, de rápido acesso, embora nenhuma
estrada brasileira, mesmo que bem cuidada, seja segura sob o excesso de carros
e caminhões e a frágil repressão a infrações por excessos de velocidade e
ultrapassagens proibidas. Por sinal, é incrível como tombam os nossos caminhões
em rodovias e sempre pela explicação fácil de que os freios falharam,
justificativa que, se aceita, nos levaria a concluir que os fabricantes de
caminhões, apesar de há tanto tempo no ramo, ainda não aprenderam a fabricá-los
bem.
Outra explicação plausível para as
ausências na Boca é a saúde. Aliás, em dois anos sofremos duas perdas bastante sentidas:
Hugo Barreto e Francisco Macedo, frequentadores quase infalíveis dos encontros
dos sábados. Infelizmente, foram chamados para onde suponho que estejam muito
melhor do que neste mundo nem sempre ameno e pouco sensato.
Há também as viagens, e alguns vivem
de malas prontas para a próxima. Ora é turismo para o exterior ou a praias do norte
e nordeste do Brasil, ora são pescarias em remotos rios. Motivos sobram. Enfim,
seja por isso ou aquilo, o grupo tem-se ressentido dos afastamentos e transmite
a sensação de caminhar para a extinção, o que não se espera. Mas é certo que sua
vitalidade acusa o peso do tempo, dado que, convenhamos, é natural, embora não
faça o processo ser menos doloroso. Cada ausência retira um pouco do tempero e
ânimo das conversas e faz o café menos saboroso, e assim os encontros se
descolorem como fotografias que empalidecem sob o envelhecimento.
Aguardemos a primavera ou o verão. Sob
sábados cálidos e azuis, pode ser que os antes habituais frequentadores
retornem e revelem a boa disposição de sempre. E descubram que a filial das
Casas Pernambucanas, que nos incomodava com a caixa de som colocada à porta de
entrada transmitindo barulhentamente músicas de gosto duvidoso, para dizer o
menos, pois descubram que fechou, talvez forçada pela catástrofe econômica
brasileira, e que aquelas portas cerradas transmitem algo de melancólico, algo
da tristeza que advém das despedidas.
Julho de 2016.
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