sábado, 5 de janeiro de 2013

ENTREVISTA PARA A REVISTA DO PROCON DE SÃO PAULO CONCEDIDA PELA PROF.ª ÂNGELA MARIA MARINI SIMÃO PORTUGAL FROTA, DO CENTRO DE FORMAÇÃO PARA O CONSUMO DE COIMBRA (apDC)



ENTREVISTA PARA A REVISTA DO PROCON DE SÃO PAULO CONCEDIDA PELA PROF.ª ÂNGELA MARIA MARINI SIMÃO PORTUGAL FROTA, DO CENTRO DE FORMAÇÃO PARA O CONSUMO DE COIMBRA (apDC)
Vou iniciar com a polêmica que envolve o tema publicidade infantil. Deve ser proibida ou a legislação deve ser mais rígida?
Em nosso entender a publicidade dirigida a menores deve ser totalmente proibida, em qualquer suporte, até aos 13 – 14 anos.
Isto porque as crianças até aos 7 anos – estudos mis avançados levam alguns investigadores a estendem até aos 10 anos - não distinguem a publicidade de um qualquer outro programa que se lhes dirija.
Confrontamo-nos com uma total falta de ética na publicidade.
A professora de Psiquiatria na Escola Médica de Harvard denuncia que “a manipulação infantil para comprar produtos ficou mais sofisticada a partir de 1998” quando duas grandes corporações WIMCC - West International Media Century City - e a LRW - Lieberman Research World Wide - fizeram estudos sobre a teimosia infantil.
Estes estudos não eram para ajudar os pais a lidar com a teimosia da criança.
Foram-no, isso sim, para ajudar as corporações a ensinar [ou ‘doutrinar’] as crianças a pressionar os pais para comprar este ou aquele produto ou marca de sua preferência…  da maneira mais eficiente” .
Só nos Estados Unidos as empresas gastam 12 bilhões de dólares por ano, para manipular o comportamento dos filhos por meio da publicidade e do marketing das empresas de dimensões avultadas.
O que se pretende, no fundo, é formar futuros sujeitos acríticos e manipuláveis perante os apelos do consumismo globalizado.
Se as crianças são o melhor do mundo (!!!), como poderemos consentir que agentes pouco escrupulosos as manipulem sem qualquer pudor e impunemente?
E não se venha alegar que a proibição pura e dura constitui uma afronta ao princípio da liberdade de expressão.
A liberdade de expressão, em termos constitucionais, não tem que ver com meras estratégias mercadológicas.
Releva da esfera político-ideológica.
Não do campo da publicidade e do marketing e, além disso, a ética, a deontologia e a lei podem impôr legitimamente restrições ou proibições por razões de interesse público e de defesa da dignidade humana.
Como os países europeus enfrentam esse problema?
Países como a Suécia e a Noruega proíbem a publicidade, em qualquer suporte, dirigida a menores até ao 12 anos, preparando-se para ampliar uma tal proibição, ao que se julga, para os 14 anos.
No Canadá, o Québec tem proibição até aos 13 anos.
Países outros há que fazem sérias restrições a tais mensagens, a saber:
. Inglaterra - entre outras regras, é proibido:
         O uso de mascotes em publicidade a alimentos;
         Efectuar cortes rápidos de edição para não confundir as crianças;
         Insinuar que a criança será inferior se não usar o produto anunciado;
         Encorajar a valentia;
         Uso de efeitos especiais
. Grécia
         Proibida a publicidade a brinquedos das 7.00 às 22.00 horas

. Bélgica
         Proibida a publicidade dirigida às crianças nas regiões Flamengas
. Irlanda
         Proibida em programas infantis na TV aberta
Isto para referir apenas o que adotaram alguns países da União Europeia.
De referir que estes países têm níveis de educação para o consumo, onde se inclui a educação para a publicidade, desde a mais tenra idade, inserida nos curricula escolares e de forma transversal.
Têm também programas de informação para o consumo, em horário nobre (prime time), na TV e demais órgãos de comunicação social.
Por muito que as agências de publicidade e marketing lutem contra tais programas, os poderes públicos destes países não permitem que sejam retirados ou vedados..
A União Europeia, por proposta da instituição a que pertencemos – a apDC associação portuguesa de Direito do Consumo -, através do Comité Económico e Social Europeu (CESE), seu órgão consultivo, elaborou um parecer de iniciativa (aprovado quase por unanimidade em 18 de Setembro de 2012) em que sugere a proibição da publicidade protagonizada por crianças e dirigida à mesma faixa etária em geral e nas televisões generalistas, com vista à adopção de um regime análogo ao da Suécia enquanto não houver, nas escolas, matérias de educação para o consumo.
O parecer está em tramitação na Comissão Europeia para eventual iniciativa legislativa nesse sentido.
Podemos afirmar que erotização precoce, obesidade e vícios, como cigarro e bebida, são problemas gerados pela publicidade infantil?
Os investimentos em marketing e publicidade prejudicam as crianças e o seu desenvolvimento. Não sendo a única causa, o marketing e a publicidade são responsáveis por muitos dos problemas que afectam as crianças de hoje, a saber:
. os transtornos alimentares (bulimia, anorexia, obesidade),
. induz a sexualidade precoce,
. é causa de violência, stresse familiar e
. provoca a erosão das brincadeiras criativas.
Assiste-se a um aumento exponencial de alcoolismo em idades muito precoces, embora a venda de álcool esteja vedada a menores de 18 anos, como é o caso da legislação portuguesa, nela se proibindo a publicidade a bebidas alcoólicas das 07.00 às 22.30 horas. No entanto, as leis são sistematicamente violadas sem que haja, por parte das entidades a que compete a fiscalização, uma atuação eficaz e dissuasora. 

TV, Celular, redes sociais, outdoors, escola e shoppings cercam as crianças de publicidade infantil, com estímulos diários. Elas estão preparadas para a interpretação dos apelos?
Como se referiu, de modo algum. Uma criança precisa apenas de 2 visionamentos de um anúncio, de uma mensagem para a absorver na íntegra, ao passo que o adulto precisa de 13 contactos, de 13 passagens.
Se atentarmos que as nossas crianças entre os 2 e os 5 anos vêem 27,5 horas de televisão por semana (sendo que 20% deste tempo é gasto em publicidade), isso representa uma média de 26 a 27 mil mensagens publicitárias por ano.
Estamos a falar de autênticas lavagens ao cérebro.
“Os verdadeiros encarregados da educação dos nossos filhos são os aparelhos de televisão“, no dizer do Prof. Paulo Morais, da Universidade do Porto.
Como conseguir afastar tudo isso de uma criança? Os pais conseguem sozinhos enfrentar e solucionar o problema?
Em verdade, os pais terão muita dificuldade em, por si sós, subtrair os seus filhos a tanta agressão.
Os políticos têm que olhar para os cidadãos que os elegem de modo continuado e permanente, para que lutem dia-a-dia por criar as condições de vida saudáveis a todos os cidadãos, a começar pelas nossas crianças.
Um país que está de costas voltadas para a educação, ou corta verbas anualmente para um tal sector, é um país condenado às galés, é um país sem futuro.
Quando o Estado se demite e as Escolas são dotadas de docentes mal pagos e sem preparação, o que está a acontecer, é vermos as escolas transformadas em nichos de eleição da publicidade, constituindo autênticas plataformas preferenciais de comércio por forma a manipular os pais e a doutrinar os alunos.
O que detectamos?
         o aliciamento dos professores através da selecção do livro escolar
         os aliciantes de produtos em si mesmo nocivos como vantagens para as escolas
          a insinuação das marcas nos programas escolares: Kits de aprendizagem
         as “visitas de estudo”: o caso Pizza Hut; Mac Donalds ( a pretensa filantropia social com a prática de pretensos “actos de caridade”)
         a publicidade nos livros escolares.
A  pretensa educação para a publicidade veiculada pelas associações internacionais de anunciantes e correlativos tem de ser sustada.
Veja-se o caso do Programa Media Smart que veio da Inglaterra aos trambolhões, implementado em algumas escolas no meu país pela APAN – Associação Portuguesa de Anunciantes - por falta de preparação e educação dos ministros com a pasta da educação.
Nele são os publicitários e quejandos a levar uma pretensa educação para a publicidade às crianças, nas escolas, com os resultados nefastos daí decorrentes.
É o mesmo que pôr a raposa a guardar o galinheiro. Estão a vender-nos gato por lebre. Sem tirar nem pôr. E o Estado consente nisso. Sem se comover…
A educação para a publicidade tem de ser autêntica, autónoma, desipotecada de marcas e de influências nefastas. Mas prosseguida de forma autónoma pelas escolas, no quadro da educação para o consumo.
Só pela massificação da educação conseguiremos resistir a tanto atropelo, superando os quadros actuais que são de consumado crime de lesa-cidadania.
Para isso os pais e educadores têm que contar com a criação de condições para que problema tão grave a médio-longo prazo se resolva.
O obscurantismo tanto serve as ditaduras mais ferozes como os arremedos de democracia… em que lamentavelmente vivemos. A crise mundial aí está e é o resultado dos desvarios a que os sucessivos governos, na Europa, nos conduziram. Com o assentimento silencioso dos povos…
Se as crianças são o melhor do mundo, é crime de lesa-pátria não pugnar denodadamente para que se lhes propicie condições de desenvolvimento saudáveis em que não cabem acções de manipulação como as que na publicidade e no marketing a elas dirigidas se consubstanciam.

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