sexta-feira, 24 de junho de 2016

Não passarão

Não passarão
Cardoso Filho
          Nada como a dor, o sofrimento ou o medo para despertar a solidariedade entre as pessoas. Em momentos de aflição, surge vigoroso o sentimento de fraternidade. Duas pessoas que, no corriqueiro dos dias, jamais se olhariam e jamais se cumprimentariam, em situação de sofrimento em comum são capazes de se abraçar, de conversar, de querer saber da dor alheia e, no extremo, de se expor ao risco de morrer para salvar o outro. Relatos de guerra contam sobre isso. A fraternidade nascida em campos de batalha, sob medo e riscos de vida intensos, é das mais fortes que os seres humanos podem desenvolver. Os combatentes se tornam irmãos de farda, se cuidam mutuamente e, se preciso, entregam a vida pelo outro. E sofrem com atroz intensidade a perda de um companheiro.
          Dias atrás, tive contato com o cotidiano de um hospital e testemunhei o sofrimento alheio motivado, no caso, por enfermidades. Vê-se de tudo, e se constata que, em situações como essa, nasce entre as pessoas um sentimento de solidariedade, de irmandade. Conversam entre si, se perguntam sobre os males e as dores, confortam-se e compartilham o momento difícil. Rebrota aí, na consciência de cada uma, a fragilidade comovedora de nossa existência, e esse perceber as aproxima e as faz mais irmãs. Sentimentos que costumamos esquecer em dias melhores.
Por esse caminho, chego à realidade da saúde pública brasileira, tão precária que comove e indigna. Precisava ser muito melhor, e o brasileiro, para escapar dela, necessita pagar caro por planos de saúde nem sempre corretos na hora de atendimento a doenças mais dispendiosas. Mas paga por eles quem pode; quem não pode, a maioria esmagadora, vai engrossar a fila dos desassistidos e desesperados, condenados a filas, agendamentos de consultas médicas para meses depois, como se as enfermidades pudessem esperar com resignação, greves dos funcionários públicos e, não raro, consulta ligeiras com o doutor cheio de pressa e impaciência porque a fila lá fora é grande. De quebra, a possibilidade de morrer sem assistência médica, numa maca num corredor lúgubre de um hospital em miséria. Ou na porta.
          Essa é uma das tragédias produzidas pela corrupção desenfreada e desgoverno. Bilhões e bilhões de reais se perdem na sangria provocada pelos criminosos de colarinho branco, enquanto serviços essenciais, como saúde segurança públicas, seguem afundados em precariedade vergonhosa. Então, se olha para a Operação Lava-Jato. Ela é o começo de nossa redenção moral. Mas há perigo no ar. Os enrolados em corrupção com o dinheiro público trabalham em sinistra surdina para melar as investigações e ações da Justiça. A ideia seria um enorme conluio, um acordão envolvendo partidos de todas as cores, para salvamento das ratazanas gordas via mudanças na legislação. Como aconteceu na Itália com a Operação Mãos Limpas.
          Pois ficamos assim: se correr por conta da livre vontade da classe política, altamente infeccionada pela corrupção, a Operação Lava-Jato vai para o brejo e teremos jogado fora a oportunidade histórica de moralizar o País. A alternativa é a opinião pública manter-se atenta, mobilizada e intransigente em defesa da Lava-Jato.  Não se pode, meus amigos, em nenhuma hipótese, entregá-la aos bandidos. Eles não passarão.


Junho de 2016.   

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