Homem-Aranha
Cardosofilho
Aos
sábados, de manhã, a Boca Maldita encontra-se protegida contra os malfeitores. Antes,
porém, já que falo em Boca Maldita, lamente-se a invasão que ela sofre de
mendigos e moradores de rua. Por sinal, na calçada em frente do que foi a
filial das Casas Pernambucanas, vão-se acostumando a dormir dois ou três. E
dormem bem, pois custam a acordar. Num desses dias, deixei a Boca por volta do
meio-dia e um casal continuava lá estirado na calçada, em sono profundo, sob um
edredom estampado e sujo, alheio ao burburinho em torno. Aliás, Curitiba está
sendo tomada por esses moradores sem morada que, segundo os defensores dos
direitos humanos, não podem ser retirados das ruas contra a vontade deles,
mesmo que seja para lhes dar abrigo, banho, comida e roupa limpa. Vamos mal,
amigos. Confundindo tudo, esticando demais os conceitos, as definições, os
direitos, enfim. Não resultará coisa boa dessa empulhação rotulada de
“politicamente correto”. É tempo de corrigir.
Mas escrevia sobre a segurança que
impera na Boca Maldita aos sábados de manhã. É que lá se posta, em pé sobre uma
pedra, o Homem-Aranha. Vestido em seu traje azul e vermelho, mantém-se atento
ao movimento geral. E o faz com estilo. Põe os dedos das mãos esticados na
altura das sobrancelhas, como fossem a pala de um boné, e os polegares apoiados
nas frontes, para proteger a visão do sol e melhor enxergar. Visto assim, parece
perscrutar a paisagem com um binóculo. Sua postura alerta, vigilante e
imperturbável garante a tranquilidade geral. Só relaxa quando pais e mães se
aproximam e pedem que o herói se deixe fotografar ao lado de seus filhos. Então
ele posa para as câmeras dos smartphones junto das crianças, encena o gestual
de lançar pelos dedos os fios de seda com os quais constrói as teias e faz a
alegria dos pequenos admiradores. Pela concessão, os pais deixam-lhe algum a
título de cachê, seguem em frente no passeio matinal e ele retorna ao posto, de
atalaia para qualquer eventualidade criminosa.
O Homem-Aranha não fez parte de minha
infância. Surgiu em 1962, quando eu já deixara as fantasias para trás. De minha
época foram o Fantasma, Capitão Marvel, Superman, Batman e Robin etc., além dos
heróis do faroeste, como Zorro e seu companheiro índio Tonto, Rocky Lane e
Cavaleiro Negro, cujas aventuras líamos nos gibis. Estes, depois de lidos, a
gurizada os levava à frente dos cinemas para trocá-los antes das matinês de
domingo. E, assim, gerações se iniciaram na leitura por meio das aventuras em
quadrinhos de super-heróis e caubóis criados nos Estados Unidos. Só lá surgiam.
Não nasceu aqui, por exemplo, um Super 171, ou um Carioca Voador, ou um
Sertanejo de Aço. Nada mudou deste então.
Confesso que os super-heróis
contemporâneos de minha infância não me emocionavam. Seus poderes prodigiosos estavam
num plano fantástico delirante e absurdo demais. De Batman até gostava, porque
mais perto das possibilidades do mundo real, mas preferia o Fantasma e seu
inseparável cão Capeto, herói misterioso como a África selvática de então.
Herói voador, sem avião, sempre foi demais para meu gosto.
Quanto ao Homem-Aranha curitibano, eis
ali um homem solitário à espera de fotografias e algum troco. De heroico mesmo,
talvez só sua luta para sobreviver, agarrado a uma fantasia.
Agosto de 2016.
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