quinta-feira, 25 de junho de 2015

O Jô escadinha


O Jô escadinha


Cardoso Filho
          Não havia assistido à entrevista de Dilma Rousseff, concedida ao apresentador Jô Soares e levada ao ar pela Rede Globo há poucos dias (13.06.2015). Tanto ouvi falar a respeito, e eram críticas ferozes, que recorri à internet para conferir. Teria havido excessiva má vontade por parte dos telespectadores? E o que vi e ouvi?
          Diria que se tratou de uma encenação e apostaria que, por trás da encenação, esteve a mão do marqueteiro João Santana. Vejam lá: a presidente anda de mal a pior junto à opinião pública, e por razões de sobra, depois de tantos estragos que cometeu na economia brasileira. Precisando recauchutar a imagem. Mas não só. O passivo é bem maior, mas não falemos dessas outras coisas agora. Então, na tentativa de melhorar o quadro desolador, bolaram uma entrevista exclusiva a ser apresentada na principal rede de tevê do Brasil. Mas não poderia ser uma entrevista verdadeira, séria, franca e honesta, de valor informativo, que entrasse em temas sensíveis, dolorosos e constrangedores para a entrevistada. Resultou foi uma entrevista à moda dos programas de propaganda eleitoral, em que o entrevistador funciona de escada para o entrevistado, ou seja, faz perguntas combinadas e sob medida para as respostas convenientes do entrevistado. Em outra imagem, levanta a bola para a raquetada do outro. Ou, em cena humorística, dá a deixa para a piada do cômico. E Jô Soares, vestido como não faz usualmente, sem os ternos e óculos espalhafatosos, metido em bem-comportada roupa cinza, gravata discreta, circunspecto, em seriedade exemplar, foi a escadinha, dando as deixas para a presidente propagandear, e vez ou outra ajuntava seus elogios. Além disso, para conferir à entrevista uma atmosfera coloquial, amiga, íntima, em que a presidente aparecesse simpática, muito dada, muito chegada aos telespectadores, Jô Soares a tratou o todo tempo de você e ela respondeu em seu mineirês típico, toda grácil. Uma forçada de barra sem par. Enfim, propaganda política mal dissimulada.
          Por aí andou a entrevista. Sem questões quentes, sem aperturas, sem pressão, sem saias justas, quase numa troca de receita de bolos. Pois bem, Jô Soares tem direito a manifestar suas opiniões e ideologia política, até de ser fã de Lula e Dilma Rousseff, e, nesse caso, terá feito a entrevista sem nenhum constrangimento, com o espírito leve e alado como uma borboleta vermelha. Pode, também, que lhe tenha rolado alguma coisa bem interessante por fora, entendem? Dessas que liquidam pudores. Ou pode-se supor bondosamente, como atenuante a sua conduta, que, sendo empregado da emissora, precisando do emprego e do salário, assediado pelas contas do açougue e da mercearia e pela a inflação que só sobe, com medo de levar pé no traseiro do patrão, recebeu ordens, resignou-se e fez o encomendado. Quanto à Rede Globo, o que terá havido? Qual a jogada? A carta na manga? Por que a gentileza e generosidade de oferecer largo e caríssimo espaço para uma entrevista higienizada, pasteurizada, feita sob encomenda para ajudar a refazer a destroçada imagem da presidente? Terá sido, assim, de graça? Sem contrapartida? Sem compensação? O defeito dos comportamentos equívocos ou mal explicados é que abrem campo para especulações e suspeitas.
          De todo modo creio que a entrevista não precisa incomodar. Não se pague pelas coisas mais do que valem. Passou. Foi um tiro de Jô Soares em sua própria reputação, comprometeu a Rede Globo e não deve ter ajudado a melhorar a deteriorada imagem da presidente, já no negror do fundo do poço. Os fatos argumentam muito melhor. Mas a entrevista pode ter sido o ocaso melancólico de um artista. Jô Soares sofreu um revés moral do qual terá muita dificuldade de reabilitar-se. Vida que segue.

Junho de 2015.

          

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