O Natal que não terminou
Cardoso Filho
Se me perguntarem sobre um Natal inesquecível, respondo de
pronto: foi o de 1956. Fixou-se em minha memória de modo tão nítido que parece
ter sido ontem, e, todavia, lá se vão sessenta anos. Um bocado de tempo.
Encontrou-me menino de onze anos, retomando a vida em Santo Antônio da Platina após
seis anos morando em Curitiba. Não houve depois, em minha família, comemoração
como aquela.
Fora um ano difícil. Meu pai, Joaquim Cardoso, superara dois
derrames cerebrais, internado no Hospital São Lucas, em Curitiba, e esteve tão
mal que os familiares foram chamados para acompanhar seu provável fim. Vivi
aqueles dias dramáticos sem a consciência plena do que ocorria. Parecia-me
irreal e pouco fiquei no hospital, que, aliás, não era lugar de criança.
Mandavam-me ir à matinê e eu prontamente seguia a recomendação.
Felizmente ele sobreviveu (morreria em
1977) e, no fim do ano, estava em casa, ainda convalescendo, melhorando aos
poucos embora com frequentes dores de cabeça. Quando chegou o Natal, tínhamos
motivos de sobra para comemorar a data, e então a numerosa família reuniu-se
sob a esperança de dias melhores. A festa caiu numa terça-feira ensolarada, azul
e quente, a combinar com a alegria e gratidão que revelávamos em largos gestos
de carinho e risos, e a comprida mesa para o farto almoço foi montada no
quintal, pois não havia na casa sala para acomodar-nos todos.
Vivi aquele Natal na leveza de meus
onze anos. Não tínhamos, nós crianças, as preocupações e obrigações dos
adultos. Estávamos em férias escolares, com dias livres e ensolarados para
brincar até o pôr do sol, quando não também depois que ele se fosse, sem nada a
sombrear nossos horizontes. As dúvidas, as dificuldades, os problemas a
enfrentar ficavam para os adultos, e tento imaginar as angústias que se
agitavam na cabeça de papai. Sua saúde não voltaria a ser a mesma, havia a
idade, tinha filhos para terminar de criar e o árduo trabalho de pequeno
agricultor de café o esperava.
A mim, no entanto, cabia desfrutar os
dias luminosos do verão, brincando pelas ruas da cidade pequena ou numa larga
data que a família possuía, repleta de árvores frutíferas cujas fartas
folhagens filtravam o sol e nos cobriam com o frescor de suas sombras rendadas.
Nela, mergulhávamos em fantasias e gozávamos uma felicidade que mal percebíamos,
porque parecia ser aquela a ordem natural e imutável das coisas, sem suspeitar
que o tempo fosse deixar tudo para trás. A inconsciência de que logo seríamos
despejados no turbilhão da vida adulta fazia-nos livres e quase alados. Quase
passarinhos. Despreocupado quanto ao futuro, vivi o esperançoso e festivo Natal
de 1956 certo de que tudo caminharia bem e outros Natais como aquele viriam. Não
vieram. Uma época se encerrava ali.
Os anos se enfileiram e o remoto Natal de 1956 continua a luzir
sem igual em minhas recordações. Como se jamais houvesse terminado e todos os
que dele participaram ainda vivessem.
Dezembro de 2016.
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