Um brasileiro
Cardosofilho
Estive
faz pouco em minha cidade natal, Santo Antônio da Platina. Visita curta, mas
que me permitiu rever amigos de alta estima, como Alberto Andrade, Eliseu Baena
e Orlando Patrial, saborear excelente almoço na residência do casal Gleide e
Celso Cardoso e comer um filé no restaurante do Zé Lessa, além de desfrutar da
amabilíssima hospedagem de Júnior Cardoso, em seu casarão no Alto de São
Francisco. Viajei com o mano Luiz Cardoso, que foi tratar da regularização de
um imóvel. Sobre a minha cidade, esparramada para todos os lados, trepidante,
tomada de carros e motocicletas, já com dificuldade para estacionamento de veículos,
contei em outras oportunidades, de modo que pulemos esse pedaço.
A
viagem me proporcionou conhecer Sebastião Laurentino, apelido Tiãozinho, como
ele próprio cuidou de revelar porque é assim que o conhecem na cidade, nascido
em Abatiá (PR), idade 72 anos, negro, magro, estatura baixa, cabelos enrolados
branqueando sob o boné surrado. O encontro deu-se na praça Frei Cristóvão
Capinzal. Menciono o nome de Frei Cristóvão e anoto que os padres capuchinhos
foram embora da cidade. Vieram os diocesanos, segundo me informaram, e os que
quiserem saber a diferença entre padres diocesanos e os de alguma ordem
religiosa recomendo consulta ao Google. Sem entrar no mérito da mudança, que não
é o caso, apenas expresso meu lamento nostálgico. Gostava dos capuchinhos, com
suas batinas marrons, sandálias, longas barbas e despojamento material, e foram
eles os padres de minha infância, que rezavam as missas das oito horas da manhã
dos domingos, as quais que eu comparecia sob o mando de minha mãe Maria
Justina, tão cuidadosa com religião.
Retorno
a Sebastião Laurentino, ou Tiãozinho. Encontro absolutamente casual. Era de
manhã, e meu irmão Luiz e eu sentamo-nos num banco da praça (os antigos, de
madeira larga, eram bem melhores), à espera de que abrisse a agência bancária. Acomodado
no banco à nossa frente estava ele, tentando fazer uma ligação no celular.
Mexia e mexia. Sem sucesso, veio a mim e perguntou-me se sabia fazer ligação no
aparelho. Apanhei o celular, por sorte semelhante ao meu, pedi-lhe o número
desejado, digitei, completei a ligação e lhe devolvi. Tiãozinho voltou ao seu
banco, sentou-se, cruzou as pernas e se pôs a conversar. Encerrada a ligação, retornou
perguntando se eu sabia desligar o celular. Encerrei a ligação, entreguei-lhe o
aparelho, agradeceu e pusemo-nos a conversar. Justificou sua dificuldade com a
tecnologia. O celular era de sua mulher, que possuía dois, e estava com ele por
breve empréstimo. Esclareceu que ambos foram presentes que fizera a ela. O mais
velho, ali em suas mãos, custara quatrocentos reais; o outro, mais moderno,
novecentos. Confessou que gostava de presenteá-la. Ela merecia, mulher muito
boa. A partir daí, incentivado por minhas perguntas, discorreu sobre sua vida.
Estava casado fazia 42 anos e, se Deus permitisse que o casamento completasse
50, realizariam novo em comemoração. Animou-se a retroceder no tempo para
melhor narrar sua história. Perdera a mãe aos quatorze anos, ficou só com o pai
e irmãos e irmãs e passou ajudar a família. Trabalhava na roça ao lado do pai.
Chegou na mocidade, pelos vinte anos, pensou em se casar, mas o pai lhe disse
que não podia, precisava ajudar a criar os irmãos e irmãs, e ele resignou-se à
razão paterna. Foi assim até os trinta. Nessa altura, com as irmãs casadas,
liberou-se e pôde cuidar de seu próprio casamento.
Sebastião
Laurentino trabalhou duro. Aprendeu o ofício de pedreiro, caprichava nas obras
e jamais lhe faltou serviço. Trabalhando, conheceu diversas cidades do Paraná e
São Paulo e chegou a morar em Curitiba. Gostava da capital, especialmente do
frio que lhe aumentava a disposição para a labuta, ao contrário do calor que
amolece o corpo e a vontade, mas a mulher não passava bem e retornaram a Santo
Antônio da Platina. Confessou-me sua felicidade. Conseguira construir algum
patrimônio com a ajuda da mulher, que, se fosse preciso, não enjeitava trabalho
em obra, e assentava tijolos, preparava argamassa ou serrava e pregava
madeiramento de telhado com competência. Passou a mão no rosto sorridente.
Gostava muito da esposa, repetia. Tudo o que fizera fora com ela ao lado,
ajudando. Também lembrava com muita saudade do pai, homem bom, honesto, trabalhador.
Dos sogros, só podia agradecer, eram pai e mãe para ele.
Em paz com a vida, economias
juntadas, aposentado, parou de trabalhar com o empenho de antes. O físico já
não é o mesmo e merece descanso, mas, se a obra for de pequena, encara com
disposição, como a reforma do banheiro de sua casa. E diz que seu sucesso se
deveu ao capricho e honestidade no que fez e faz, sem esquecer a companheira de
que tanto gosta e fala bem. Sem ela, não teria conseguido o mesmo, gosta de
repetir. Nessa altura, meu irmão retornou da agência bancária e se precisava ir
embora. A estrada até Curitiba nos aguardava. Despedimo-nos na manhã abrasante,
à sombra do arvoredo da praça, e fomos apanhar o automóvel.
Bem
possível que Sebastião Laurentino
jamais venha a ler esta página. Lastimo. Saberia que tive prazer e orgulho de
conhecer e de apertar a mão de um brasileiro da melhor qualidade.
Outubro de 2016.
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