Nostalgia curitibana
Cardosofilho
Desculpem a insistência, meus amigos,
mas volto à Boca Maldita para lhes dizer que na calçada em frente do que foi a
filial das Casas Pernambucanas e, muito antes disso, o saudoso Cine Ópera, os
mendigos, ou moradores de rua, ou os ébrios, ou drogados, ou todas estas
coisas, continuam a dormir ali, sossegados, enrolados em cobertores imundos.
Passam assim a manhã toda, em deprimente exposição. Um deles, resolveu também
espalhar pipocas na calçada, para que pombos venham comê-las. E assim tomam
espaço em um ponto turístico importante da cidade e afugentam aproximação, pois
o cheiro de urina que produzem espanta qualquer cristão. Bem, o quadro é este e
a pergunta é: como ficamos?
Num desses sábados, o candidato a
prefeito Rafael Greca passou por lá, parou em nossa roda de conversa, foi
saudado, saudou-nos com sua simpatia peculiar, conversou um pouco, observou o
quadro de degradação humana estampado na calçada e garantiu que, se eleito, vai
cuidar disso. Cuidar, se bem entendemos, seria resolver o problema. O relato
não pretende ser propaganda eleitoral; limito-me a transmitir o que ele afirmou,
e pode ser apenas promessa eleitoreira. Todavia, a turma da Boca ficou
esperançada. Afinal, Rafael Greca gosta da cidade como poucos, é inteligente,
já foi um bom prefeito e com certeza se sente afetado, como nós, pela miséria
que invade as ruas de Curitiba. Não sei o que precisa ser feito, pois sou
apenas um escriba, um tanto acossado pela idade, cansado de observar as chagas urbanas
que se agravam. O poder público tem gente especializada para se debruçar sobre
os problemas e formular soluções. O que sabemos, como curitibanos, é, que, como
está, não dá para ficar. E pergunto: que besteira é essa de não poder retirar
esses pobres-diabos das ruas, para dar-lhes banho, comida, roupas limpas e
abrigo, se a ação contrariar-lhes a vontade de nas ruas permanecer? O que
resolve a caridade de levar comida ou cobertor aos que recusam ajuda social
adequada?
Fica, mais uma vez, o registro lastimável,
com minha disposição de não retornar ao assunto, se bem que os fatos têm a
mania de nos atropelar e de se impor. Aí não tem jeito. Veremos. Mas falei em
Rafael Greca e pude observar a acolhida alegre que recebeu na Boca Maldita. E
me pus a pensar. Ora, o Greca – imaginou-se – havia morrido politicamente,
depois que se aliou a Roberto Requião, um homem que o atacava com a virulência
habitual e debochada. Incompreensível decisão, eram azeite e água, não tinham
como se misturar, e, no entanto, aconteceu. Como muitos, considerei Greca
acabado, sem condições de eleger-se até para síndico de edifício. Aquela aliança
fez-lhe muito mal e o converteu numa figura melancólica enterrada para sempre.
O mundo, como sabemos, dá voltas, o
que era deixa de ser, o errado vira certo e assim vai. Eis que Greca se afasta
de Requião e ressurge como candidato de novo à prefeitura de Curitiba. E os
antigos admiradores de sua intelectualidade e da administração que empreendeu
na cidade, de 1993 a 1997, esquecem o pecado da aliança política espúria e
insensata e de outros deslizes, como a pouca afortunada passagem como ministro
de Esporte e Turismo no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, entre
1999 e 2000, e tendem a lhe conceder novo voto de confiança. O fenômeno de seu
ressurgimento tem a ver com a nostalgia que acomete boa parte dos curitibanos,
agarrados à lembrança de uma Curitiba mais bem planejada e cuidada, mais
cultural, em sintonia com sua vocação de cidade limpa e bela, sem a miséria ambulante
que a agride e descaracteriza.
É isto.
Setembro de 2016.
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