Promessa
Cardosofilho
Pois
aconteceu de novo. Mais uma vez a Boca do Brilho serve de cenário para uma crônica.
Conto-lhes o caso. Depois de encontrar-me com amigos, no sábado, na Boca
Maldita, fui à Boca do Brilho engraxar os sapatos. Sentei-me numa cadeira, o
serviço começou e o engraxate, agora lustrador, como consta no uniforme que
veste, informou-me sorrindo que não havia jornal disponível para a cortesia
habitual. Respondi, que, hoje, com a abundância de informação via internet, jornais
impressos quase não fazem falta e estão condenados a desaparecer, devorados
pela tecnologia, destino de outras tantas coisas. Assim caminha a humanidade (título
de velho e ótimo filme): morre uma época e outra nasce. Mas onde eu estava
mesmo? Ah, sim, conversava com o engraxate, que lhes apresento: Aparecido, nascido
em 1959, cabeça grande quase toda tomada pela calvície, óculos de aros grossos.
Logo falamos dos 3 a 0 da seleção brasileira sobre os argentinos, e o assunto
deu oportunidade para ele lamentar a situação de seu time, o Paraná Clube, que
vai mal das pernas, no morre-não morre, mais para morre, mantendo-se com muito
esforço na segunda divisão do campeonato brasileiro. Aparecido é bem-informado
e esperto. Sabe que más administrações liquidaram com quase todo o patrimônio
do clube, no passado um dos maiores entre os clubes brasileiros. Concordei, e
acrescentei que o desastre começou em junho de 1971, quando fundiram Ferroviário,
Palestra Itália e Britânia para dar lugar ao Colorado, denominação que trazia o
defeito de ser apelido do Internacional de Porto Alegre e marca de televisor;
que jamais deveriam ter jogado fora o nome, a camisa, a história e a mística do
Clube Atlético Ferroviário, dono de numerosa e ardorosa torcida, a Boca Negra.
Era o tempo do “trio de ferro” paranaense, formado por Coritiba, Atlético e
Ferroviário, protagonistas entre si de rivalidades históricas e eletrizantes
clássicos. Depois, em 1989, fundiram Colorado com Pinheiros, do que resultou o
atual Paraná Clube, cuja camisa, metade azul e metade vermelha separadas na
vertical, mais parece camisa de jóquei (por falar em jóquei, eis outro cadáver
do passado: o turfe paranaense). Foi o resumo que fiz a Aparecido, da tragédia
do antigo e saudoso Clube Atlético Ferroviário e do melancólico momento do
Paraná Clube.
Aparecido
aproveitou a conversa e me contou, transbordando orgulho, que possui um neto,
Lucas Pimentel, que promete ser craque de futebol e compensar-lhe todas as
frustrações passadas, presentes e futuras. Encontra-se com onze anos, joga no
meio de campo e treina na escolinha do Coritiba, e fez questão de apanhar o
celular que estava carregando, desconectou-o, pôs-se a procurar a fotografia do
neto, pediu desculpa pela interrupção do serviço, disse-lhe para não se
preocupar, havia tempo, por fim a encontrou e, feliz, estendeu-me o aparelho
para que eu conhecesse o neto. Lá estava o garoto magrinho, abraçado por
Krüger, o Flecha Loira, lenda do Coritiba F.C., homenageado com bonita estátua
de bronze, em tamanho natural, na entrada do estádio Couto Pereira. Segundo Aparecido,
bastou seu neto Lucas Pimentel jogar quinze minutos no teste, para Krüger,
observado técnico, dar-se por satisfeito e pedir ao clube que o admitisse na
escolinha.
O
avô sonha com a glória futura do garoto. Segundo ele, tem tudo para dar certo
como jogador profissional e, desde já, cuida de orientá-lo. Se a glória vier,
traduzida em bons contratos, que não corra a comprar carro de luxo, correntes
de ouro, brincos de brilhantes. Juízo, cuidado com o preparo físico, sem
noitadas, sem baladas, prevenido de que a carreira é curta, vinte anos no
máximo, e é preciso fazer o famoso pé-de-meia para enfrentar o futuro depois da
bola.
O
amigo leitor anote o nome: Lucas Pimentel. Uma promessa que Krüger cuida de
ensinar e aprimorar. Talvez venha a ser grande revelação coxa-branca daqui mais
seis, sete anos. Se falhar, bem, cobremos do avô Aparecido, na Boca do Brilho,
que fez a esperança brilhar também para mim.
Novembro de 2016.
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