segunda-feira, 27 de abril de 2020

Uma só Dulcineia


Uma só Dulcineia
As autoridades afrouxaram a quarentena.
Voltaram a nos ensurdecer os cavalos ruminantes.
Não tenho ouvidos de cobra, deixem-me viver.
Deixem-me quieto, na minha poltrona, a criar raízes
a enverdecer.
Hoje é domingo, mas toda 2ª feira agora também é.
Vocês, filhos de abastados, cansaram de ficar em casa?
Vou dizer e gritar, sem remorsos:
cretinos, mal criados, vão procurar estradas vazias.
Mostrem suas máquinas e o poder do motor delas,
lá no espaço rural, onde nem a cotovia mais canta
e a gralha azul, araucárias não mais planta.
Ela migrou para ilhas do litoral, longe do vírus;
longe de mim; principalmente de vocês.
Vocês, teimando em assustar minha calma
infiltrando-se nas frases da minha leitura quieta.
Ah! Como é triste esta vida de morto-vivo
eu sem preparo a enfrentar esta pandemia atroz.
Deveria saber, a cidade grande não é mais para mim.
O campo é meu campanário, minha cama verde
meu canário com voz amarela e suas cores pasteis.
Ele a cantar e neste canto lubrificando meu peito
do óleo da saudade e da vontade de afundar
como náufrago às profundezas no mar de amor.
Ah Curitiba! Você e seus encantos tão sedutores.
Não sei porque ainda insisto em estar aqui
sapateando vontades de lhe abandonar.
Mas sei, entrego-me à indolência desta não vontade.
Fico por aqui rodeado dos meus ídolos de papel
todos em livros contando suas experiências,
suas verdades, eu a não ter verdade alguma.
Sou qual o eremita a viver numa caverna
dela me afastando em busca de comida.
Triste figura!
A duelar com as distâncias e máscaras na rua
a me esquivar do invisível inimigo.
Triste figura!
A voltar calado e fatigado à casa com a sacola
cheia de mantimentos e recalques.
Triste figura!
quem dera tivesse uma Dulcineia
a abraçar no retorno
ou um moinho a enfrentar. por ela.
Curitiba, 26/Abril/2020.
tonicato m'ir

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