Uma só Dulcineia
As autoridades afrouxaram a
quarentena.
Voltaram a nos ensurdecer os
cavalos ruminantes.
Não tenho ouvidos de cobra,
deixem-me viver.
Deixem-me quieto, na minha
poltrona, a criar raízes
a enverdecer.
Hoje é domingo, mas toda 2ª
feira agora também é.
Vocês,
filhos de abastados, cansaram de ficar em casa?
Vou dizer e gritar, sem
remorsos:
cretinos, mal criados, vão
procurar estradas vazias.
Mostrem suas máquinas e o
poder do motor delas,
lá no espaço rural, onde nem
a cotovia mais canta
e a gralha azul, araucárias
não mais planta.
Ela migrou para ilhas do
litoral, longe do vírus;
longe de mim; principalmente
de vocês.
Vocês, teimando em assustar
minha calma
infiltrando-se
nas frases da minha leitura quieta.
Ah! Como é triste esta vida
de morto-vivo
eu sem preparo a enfrentar esta
pandemia atroz.
Deveria saber, a cidade grande
não é mais para mim.
O campo é meu campanário,
minha cama verde
meu canário com voz amarela e
suas cores pasteis.
Ele a cantar e neste canto
lubrificando meu peito
do óleo da saudade e da
vontade de afundar
como náufrago às profundezas
no mar de amor.
Ah Curitiba! Você e seus
encantos tão sedutores.
Não sei porque ainda insisto
em estar aqui
sapateando
vontades de lhe abandonar.
Mas sei, entrego-me à
indolência desta não vontade.
Fico por aqui rodeado dos
meus ídolos de papel
todos em livros contando suas
experiências,
suas verdades, eu a não ter
verdade alguma.
Sou qual o eremita a viver
numa caverna
dela
me afastando em busca de comida.
Triste figura!
A duelar com as distâncias e
máscaras na rua
a me esquivar do invisível
inimigo.
Triste figura!
A voltar calado e fatigado à
casa com a sacola
cheia de mantimentos e
recalques.
Triste figura!
quem dera tivesse uma Dulcineia
a abraçar no retorno
ou um moinho a enfrentar. por ela.
Curitiba, 26/Abril/2020.
tonicato m'ir
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