Caminhada
Cardoso Filho
Gosto de escrever. Não significa dizer
que escrevo bem, mas é gosto. É o que faço nos dias que correm e arrisco que
seja minha única e restante aptidão. E complemento: trata-se de um fazer que só
encontra sentido se houver algum leitor para os escritos. Felizmente, conto com
a benevolência dos amigos. Assim vou levando a vida e me pergunto por que não
me dediquei a isso, e só a isso, desde o começo. Teria sido mais feliz. Mas,
sabemos, o homem põe e Deus dispõe. Ou o destino, ou seja lá o que for. Assim
se escrevem nossas trajetórias, com um pouco de nosso querer e o mais por conta
de uma pena misteriosa.
Os planos, lá atrás, eram outros. Projetavam,
entre outras coisas, o retorno ao interior do Paraná ao fim do curso
universitário. Não havia na cabeça um destino definido. Poderia ser minha terra
natal, mas isso era algo a resolver mais tarde, quando o momento de decidir chegasse.
Alguns planos estavam claros, outros ainda flutuavam na nebulosidade de meus
vinte anos, mas a linha mestra fora traçada. A par disso, gostava de rádio.
Tinha tido alguma experiência no ramo em Santo Antonio da Platina, ainda
garoto, ao lado do saudoso Édcio Coelho Ribeirete. Durante algum tempo, apresentamos
noticiários esportivos na Rádio Difusora local. Tempo pouco, mas suficiente para
que o gosto entrasse no sangue. Aliás, de rádio gostei sempre. Nos anos 1950,
no interior do estado, antes da televisão, era ele a grande janela aberta para
o que acontecia no mundo. O gosto permaneceu e continuo apegado ao rádio, e me
lembro do primeiro aparelho que pude comprar, pago em prestações à Hermes
Macedo, em 1976: um potente Transglobe, fabricado pela Philco, capaz de
sintonizar em nove faixas de ondas curtas emissoras de todo o mundo. Hoje, para
meu gosto musical enraizado em outras épocas, restam pouquíssimas estações, se
é que ainda existem. Sobram as só de notícias, surgidas não faz muito. Enfim, a
carreira radiofônica, que em certo momento pareceu se desenhar para mim, e em Curitiba
quase ingressei como locutor em uma rádio, foi embora tocada pelas
circunstâncias.
Correram os anos, passaram-me os
aniversários e hoje, repito, me sobra escrever, ocupação que tenho por prazerosa
e salutar. Ocupa-me o tempo e a mente, faz-me feliz e me mantém em contato com
os amigos. Seria bom se rendesse também alguns cobres. Fariam bem ao meu bolso
de classe média acossado pelas demandas e inflação. Mas literatura é assim: bem
poucos sobrevivem do ofício. A grande maioria dedica-se a ela por amor, um
querer viciante que acarreta despesas e só rende recompensa quando um leitor
manifesta ter apreciado a crônica, o conto, a poesia ou o romance.
Olhando em retrospectiva, penso que teria sido melhor se tivesse
enveredado pelo jornalismo, provavelmente terreno mais apropriado para meu
gosto e, quem sabe, habilidade. Mas são considerações inúteis, uma vez que as
águas não voltam.
De modo que sigo em meu lavor, tentando
entregar a cada semana um novo texto aos amigos e amigas. E pensando em um
segundo livro. Eis, amigos, a vaidade que acompanha os literatos: a pretensão
de deixar algo de seus esforços intelectuais que sobreviva à morte e desafie a escuridão
do completo esquecimento.
Maio de 2016.
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