Lava-Jato: escapa?
Cardoso Filho
Tem coisa que dá medo só de pensar.
Nestes dias de turbulência moral provocada pelos escândalos que a Operação
Lava-Jato vai expondo ao sol, a ideia de que essa operação possa ser anulada,
tornada sem efeito desde o começo, “melada”, enfim, causa um estremecimento
sinistro. Pior é que o risco existe e não é pequeno. A partir do momento em que
ficou clara a determinação do juiz federal Sérgio Moro em perseguir a verdade, sem
poupar cabeças até então consideradas intocáveis no mundo das transações
tenebrosas dos homens de colarinho branco, iniciou-se o trabalho para
desconstruir o esforço da justiça. Eis porque Lula e advogados de defesa dos
acusados se mexem freneticamente, o ministro da justiça José Eduardo Cardozo
também, e Dilma se encontrou às ocultas, dias atrás, no Porto, em Portugal, com
Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. É o insidioso
esforço para liquidar a Lava-Jato e deixar tudo como antes, para a felicidade
geral de corruptos e corruptores.
Os implicados sabem que as condenações,
pelo andar da carruagem, virão. Que fazer, então, diante das provas que se vão
acumulando contra eles? A lógica é simples. Se os fatos não podem ser
contestados, a saída é tentar anular tudo mediante o argumento de que alguma
irregularidade técnica foi cometida pela Justiça Federal, ou pela Polícia
Federal, no processo. É a chamada defesa processual, praxe em qualquer ação nos
tribunais. Em princípio, é recurso lícito. Todo processo judicial deve ser
conduzido conforme as regras estabelecidas pela lei. O que dá calafrios é saber
que, no Brasil, processos criminais envolvendo figuras poderosas costumam dar
em nada, por força de tecnicalidades e argumentos que horrorizam o cidadão de
boa-fé, desconhecedor das firulas de raciocínio, construções teóricas e
subjetivismos que permitem aos julgadores, diante de um mesmo caso, ser a
favor, contra ou muito pelo contrário, ao sabor de questiúnculas e outros
mistérios e interesses. Por esses passes mágicos e abstrações, graúdos
criminosos têm se safado da justiça e confirmado a trágica sina de que, no
Brasil, os grandes pilantras não vão para a cadeia.
Exemplos estão aí. O procurador Diogo
Castor de Mattos, um dos integrantes da Operação Lava-Jato, em dissertação de
mestrado, relembra quatro processos rumorosos, mais ou menos recentes, que
foram anulados: Sundown/Banestado, de 2006; Boi Barrica/Faktor, de 2008, que
envolvia integrantes da família Sarney; Satiagraha, de 2008, que envolvia o
banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor
Naji Nahas; e Castelo de Areia, de 2009, que implicava executivos da
empreiteira Camargo Corrêa, Michel Temer e José Roberto Arruda (sempre ele).
De modo que é de todo recomendável
manter sob vigilância a hipótese terrível de que a Lava-Jato possa ser anulada.
Temos, pois, dois cenários possíveis a considerar: no primeiro, feliz, a
Operação segue seu curso e condena todos os culpados, e o Brasil inicia a
partir daí nova era em sua história, moralmente depurado e engrandecido; no
outro, catastrófico, a Lava-Jato é anulada e todo o esforço e esperanças
escorrerão, outra vez, para o ralo. Nesse caso, restará ver como o Brasil
enfrentará mais essa ignomínia, mais essa infâmia – se com a cordura e
resignação que não fazem mais sentido, ou libertando com fragor as forças que
se agitam e ardem nas profundezas de sua alma.
Os sensatos não pagariam para ver.
Julho de 2015.
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