SAUDADES E ESCOLHAS
O que estas duas palavras têm em comum?
Por que falar em saudade? Saudades que sinto de todos que
deixei no Brasil. E, por que falar em escolhas? Por que estamos sempre fazendo
escolhas e algumas delas acabam em saudade.
Escrever sobre estas palavras também foi uma escolha e compartilhar
com pessoas ilustres como vocês é uma
grande responsabilidade. Mas, vamos lá!
A saudade sempre esteve presente em minha vida. Sou filha de
imigrantes portugueses que frequentemente manifestavam as saudades daqueles que
ficaram em Portugal, quando escolheram vir para o Brasil em busca de melhores
oportunidades. Desta união nascemos eu e meu irmão. Sempre percebemos que nossa
família era um pouco diferente. Não convivíamos com nossos avós, tios, primos
como a maioria das pessoas. A festa de Natal era quase sempre muito pequena, somente
nós os quatro. Sabíamos que em algum lugar tínhamos uma grande família porque
nossos pais, cheios de saudades, sempre
falavam sobre eles e também pelas cartas que chegavam.
Sim, as notícias da
família, por carta ou telegrama! O carteiro era sempre muito esperado! Ainda
hoje lembro o sentimento de alegria quando uma carta chegava, mas também das
lágrimas de meus pais quando um telegrama trazia uma notícia ruim. Entretanto,
cartas e telegramas pressupunham leitura e escrita e aí havia um problema. Meu
pai tinha pouca escolaridade e minha mãe era analfabeta. As cartas eram lidas e
respondidas pelos vizinhos. A
esperança de que isso mudasse
estava em minha escolarização. E assim
aconteceu! Aos seis anos fui para a escola com o principal objetivo de aprender
a ler e escrever. Com pouco mais de 6 meses de escola já lia e escrevia as
cartas para Portugal. Como podem notar aprendi muito cedo qual era a função
social da leitura e da escrita. Ler e escrever as cartas permitiu, apesar da
distância geográfica, estabelecer um laço muito forte com a família que estava
do outro lado do Atlântico. Era como se eu conhecesse cada um deles
pessoalmente. E, mesmo sem conhecê-los,
sentia saudades.
Hoje, por escolha, estou aqui, em Portugal! Muitos daqueles
com quem me correspondia já não estão mais entre nós. Agora estou distante de
amigos e de um pedaço da família que deixei no Brasil. As cartas já não são
mais o principal meio de comunicação, há o Wattsapp,
o Skype, o Messenger, o Facebook, o
Instagran, o e-mail e tantos outros recursos, nas palmas de nossas mãos 24 horas
por dia e que tornaram o planeta um lugar muito pequeno, mas, a saudade... Ah,
a saudade! Sim, ela continua existindo!
“A SAUDADE É UMA
TATUAGEM NA ALMA: SÓ NOS LIVRAMOS DELA PERDENDO UM PEDAÇO DE NÓS.” (Mia Couto.
O outro pé da sereia. Lisboa/ Portugal. Ed. Caminho, 2006.)
Um abraço cheio de saudades para cada um de vocês!
Maria Julia Carreira Pacheco
17 outubro de 2019.
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