Veredas da
vida
Cardoso Filho
Reencontrar velhos
amigos distanciados de nós pela geografia, alguns não vistos há muito, é um
pouco visitar o passado memorável, em que até tristezas se tornaram engraçadas.
Aconteceu-me em viagem recente a Santo Antônio da Platina, realizada em companhia
de meu irmão Luiz Cardoso, em reunião promovida por Júnior Cardoso, sobrinho
cada vez mais irmão. Lá estavam, no sentido horário em torno da mesa onde
repousavam o vinho e os comestíveis, Celso de Oliveira, Orlando Patrial, Delmo
Luiz Cardoso, Santiago Garcia (que tive o prazer de conhecer naquela noite),
Alberto Andrade, Júlio César Dias Chaves, Luiz Cardoso, Eliseu Baena e este
escriba. Além, naturalmente, do anfitrião, que cuidava de repor os petiscos e a
bebida, na falta de um mordomo. Entre goles de vinho e o mastigar dos
salgadinhos, desfiamos prazerosas lembranças de nossas adolescência e
juventude, e em cima das evocações vislumbrei a Santo Antônio da Platina que
deixei em janeiro de 1963, de mudança para Curitiba, embarcado numa Kombi em
que meus irmãos Dudu Cardoso e Walter Cardoso viajam no banco da frente e
trocavam narrativas de casos da advocacia que exerciam. Embalado por aquelas
histórias, deitado no banco, cochilei por boa parte da estrada longa, poeirenta
e esburacada.
Vieram à
memória o futebol platinense do tempo do Araucária e Sete de Setembro, o velho
ginásio, a vida interiorana sem a televisão, época em que a praça da Igreja
Matriz era o centro de todos os encontros e inícios de namoros, e nela as moças
e rapazes giravam pelo passeio de tijolos como se estivem em enorme e colorido
carrossel, elas num sentido, eles no outro, e a cada volta os olhares enamorados
podiam se encontrar. Dali se saía, aos sábados e domingos, para a sessão única das
oito do Cine Palace Platinense. Depois do cinema, a ida ao Bar Lis para uma
cerveja, um bauru com Crush, um cuba-libre ou hi-fi. Costumes tragados pela
voragem da cidade trepidante de agora, cujas ruas percorri em busca do que deixei
lá atrás e pouco encontrei, e instalou-se em mim certa tristeza, nascida de
minha nostalgia irremediável.
Os amigos reunidos
naquela noite de vinhos encaminharam bem suas vidas. De um jeito ou outro,
saindo ou ficando na cidade, vão escrevendo boas histórias. Os que permaneceram
foram acostumando a vista e o viver às transformações que a cidade sofria, ao
cotidiano que se alterava, à expansão em novos bairros e também favelas, ao
mundaréu de gente que nascia ali ou chegava de fora e mudava o perfil da
população. O pequeno mundo se modificava, se esticava para os lados, para os
morros, erguia edifícios, passava para o outro lado da estrada que leva a
Curitiba, esquecia costumes locais e importava a cultura que a tevê trazia. Ganhava
também a insegurança produzida pela degradação social de todo o país e as
portas precisaram ganhar trancas de ferro e as cercas, eletrificação, tudo embrulhado
no pacote do chamado progresso. Ao fim da reunião, fizeram-se declarações de
amor à cidade e confessou-se a preocupação com o atropelo do crescimento que a
ela atinge, esquecidos nós de que este cobra seu pesado tributo e o bucolismo
do passado é irresgatável. Lembrei-me então do primo Chico Azevedo, que se
sentia feliz quando visitava sua cidade natal – ela não crescera, e ele podia
reencontrar, tanto tempo depois, os cenários de sua infância. Ali, o futuro não
viera e passado permanecia.
Aproveitamos
a viagem e fomos visitar parentes em Ribeirão do Pinhal. E não sei se porque já
era fim de tarde, de um dia que cruzara ensolarado e quente, a cidade me
surpreendeu por sua calmaria. Lembrou-me de Santo Antônio da Platina de quando
parti, em 1963. Ela também cresceu, mas conserva ainda a placidez interiorana
que encanta os saturados do rebuliço das cidades maiores. Cidade boa para se
viver. Revimos por lá alguns parentes, tomamos um ótimo café da tarde, acompanhado
de queijo e doces caseiros, com a família do suave e sorridente Waldomiro
Patrial, puxamos lembranças, depois fomos a outra visita, bem mais ligeira, para
apressados abraços sob a noite que descia e a precisão de voltar a Santo
Antônio da Platina. E fui anotando em meu caderninho mental as impressões das
visitas. Vidas que seguem tangidas pelos bons e maus dias, como é da lei para
todos os mortais. E momentos houve em que meu coração apertou-se diante de certos
sofreres, e também invejei a coragem dos que enfrentam seus dramas pessoais sem
resmungar à toa, sorrindo às vezes, aceitando na fé a sina que Deus manda.
Abril de
2016.
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