quinta-feira, 7 de abril de 2016

Veredas da vida

Veredas da vida
Cardoso Filho

          Reencontrar velhos amigos distanciados de nós pela geografia, alguns não vistos há muito, é um pouco visitar o passado memorável, em que até tristezas se tornaram engraçadas. Aconteceu-me em viagem recente a Santo Antônio da Platina, realizada em companhia de meu irmão Luiz Cardoso, em reunião promovida por Júnior Cardoso, sobrinho cada vez mais irmão. Lá estavam, no sentido horário em torno da mesa onde repousavam o vinho e os comestíveis, Celso de Oliveira, Orlando Patrial, Delmo Luiz Cardoso, Santiago Garcia (que tive o prazer de conhecer naquela noite), Alberto Andrade, Júlio César Dias Chaves, Luiz Cardoso, Eliseu Baena e este escriba. Além, naturalmente, do anfitrião, que cuidava de repor os petiscos e a bebida, na falta de um mordomo. Entre goles de vinho e o mastigar dos salgadinhos, desfiamos prazerosas lembranças de nossas adolescência e juventude, e em cima das evocações vislumbrei a Santo Antônio da Platina que deixei em janeiro de 1963, de mudança para Curitiba, embarcado numa Kombi em que meus irmãos Dudu Cardoso e Walter Cardoso viajam no banco da frente e trocavam narrativas de casos da advocacia que exerciam. Embalado por aquelas histórias, deitado no banco, cochilei por boa parte da estrada longa, poeirenta e esburacada.
          Vieram à memória o futebol platinense do tempo do Araucária e Sete de Setembro, o velho ginásio, a vida interiorana sem a televisão, época em que a praça da Igreja Matriz era o centro de todos os encontros e inícios de namoros, e nela as moças e rapazes giravam pelo passeio de tijolos como se estivem em enorme e colorido carrossel, elas num sentido, eles no outro, e a cada volta os olhares enamorados podiam se encontrar. Dali se saía, aos sábados e domingos, para a sessão única das oito do Cine Palace Platinense. Depois do cinema, a ida ao Bar Lis para uma cerveja, um bauru com Crush, um cuba-libre ou hi-fi. Costumes tragados pela voragem da cidade trepidante de agora, cujas ruas percorri em busca do que deixei lá atrás e pouco encontrei, e instalou-se em mim certa tristeza, nascida de minha nostalgia irremediável.  
          Os amigos reunidos naquela noite de vinhos encaminharam bem suas vidas. De um jeito ou outro, saindo ou ficando na cidade, vão escrevendo boas histórias. Os que permaneceram foram acostumando a vista e o viver às transformações que a cidade sofria, ao cotidiano que se alterava, à expansão em novos bairros e também favelas, ao mundaréu de gente que nascia ali ou chegava de fora e mudava o perfil da população. O pequeno mundo se modificava, se esticava para os lados, para os morros, erguia edifícios, passava para o outro lado da estrada que leva a Curitiba, esquecia costumes locais e importava a cultura que a tevê trazia. Ganhava também a insegurança produzida pela degradação social de todo o país e as portas precisaram ganhar trancas de ferro e as cercas, eletrificação, tudo embrulhado no pacote do chamado progresso. Ao fim da reunião, fizeram-se declarações de amor à cidade e confessou-se a preocupação com o atropelo do crescimento que a ela atinge, esquecidos nós de que este cobra seu pesado tributo e o bucolismo do passado é irresgatável. Lembrei-me então do primo Chico Azevedo, que se sentia feliz quando visitava sua cidade natal – ela não crescera, e ele podia reencontrar, tanto tempo depois, os cenários de sua infância. Ali, o futuro não viera e passado permanecia.
          Aproveitamos a viagem e fomos visitar parentes em Ribeirão do Pinhal. E não sei se porque já era fim de tarde, de um dia que cruzara ensolarado e quente, a cidade me surpreendeu por sua calmaria. Lembrou-me de Santo Antônio da Platina de quando parti, em 1963. Ela também cresceu, mas conserva ainda a placidez interiorana que encanta os saturados do rebuliço das cidades maiores. Cidade boa para se viver. Revimos por lá alguns parentes, tomamos um ótimo café da tarde, acompanhado de queijo e doces caseiros, com a família do suave e sorridente Waldomiro Patrial, puxamos lembranças, depois fomos a outra visita, bem mais ligeira, para apressados abraços sob a noite que descia e a precisão de voltar a Santo Antônio da Platina. E fui anotando em meu caderninho mental as impressões das visitas. Vidas que seguem tangidas pelos bons e maus dias, como é da lei para todos os mortais. E momentos houve em que meu coração apertou-se diante de certos sofreres, e também invejei a coragem dos que enfrentam seus dramas pessoais sem resmungar à toa, sorrindo às vezes, aceitando na fé a sina que Deus manda.


Abril de 2016.

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