O P Ã O
D A V I D A
Anita Zippin
No meio da tarde, uma tarde entre o sol e a chuva, o telefone toca.
Quem será? Vem a curiosidade interna de todos os que estão vivos e bem
vivos a sonhar com o minuto seguinte de vida bem vivida.
Minha filha Ariadne quem fala, dá o depoimento do que se passou há
poucos minutos, que logo contarei.
O interessante é ela ligar logo para mim, no meio de tantos amigos,
colegas de trabalho e duas boas filhas.
Mas os laços de ternura que unem mãe e filha são muito fortes no
momento da emoção, daí eu ser a escolhida para ouvir um dos depoimentos mais
belos de um entardecer comum para mim, mas marcante para mim e para os que
comigo irão saber qual o motivo.
Contou ela, ainda ofegante, que estava passando com sua camionete da
Pani em Casa, no Batel, quando viu um senhor sendo agarrado por duas
enfermeiras, mas que logo se soltou de uma e deixou a outra no chão, indo
direto para o meio dos carros em movimento.
Na frente, uma Casa de Repouso. Por certo, ele queria fugir e as duas
jovens quem tentaram detê-lo, não conseguiram até aquele momento, lograr êxito.
Foi quando Ariadne por lá passava, feliz e faceira, sim com dois efes,
e previu o possível desastre. Lembrou por certo da manchete do dia seguinte,
tipo:
‘morre idoso que fugiu da casa de repouso, após se livrar das
enfermeiras ou,.
Demente que tentava escapar do asilo, escolheu a morte à prisão da alma.
Tétrico, mas cabeça de escritor, como é de minha filha e a minha,
passou por este estágio.
Mas, vamos ao que interessa, que ao que indica, é bom à beça!
Imediatamente, vendo o senhor solto sem saber o que acontecia vir para
cima dos veículos em movimento, Ariadne jogou o seu carro para o acostamento e
procurou ali dentro o que teria para socorrer o aflito.
Viu pães, pães e mais pães, produto de seu trabalho e de seu marido, a
entregar de casa em casa.
Pegou um nas mãos e gritou para o idoso:
-‘Quer pão? Quer pão?”
O ser desnorteado, talvez a se lembrar do tempo em que entregavam pão
fresquinho em sua casa, quando adolescente, foi em direção ao pacote que estava
no alto da janela da camionete.
E, este momento em diante, entrou em outra fase, aceitando conversar e
dizia:
“eu quero pão. Me dá o pão”!
Foi quando as enfermeiras, novamente o tinham sob controle e, mesmo
assim, minha filha ficou a conversar com ele, prometendo que ele teria pão, que
naquela casa ali, ou seja, a casa de repouso, a moça que o segurava pelo braço
iria lhe dar um pedaço para comer.
Ele saiu alegre, feliz como quem ganha na loteria.
E Ariadne me ligou.
Que dizer a esta menina, sempre menina, doce mulher?
Sim, que só esta tarde justifica seu trabalho dia e noite para que
novas casas tenham alimento bom, conversa franca e astral dos melhores em suas
visitas. E, de brinde, podem ter pães, broas, doces e outras guloseimas.
Que o carinho dispensado a todos, e hoje espelhado nesta vida que ela
acabou de salvar, vale pela vida que eu salvei ao tê-la num feliz dia 30 de
março.
Se tivesse de repetir, mais uma Ariadne eu faria!
Este é o pão da vida, esta é a história que talvez não se repita, mas
que merece ficar registrada nesta tarde que estava entre o sol e a chuva, mas
que deu Vida!
Agradeço minha menina pela graça de ser sua mãe, sua colega do palco da
bela história de amor ao próximo onde eu estava bem perto dela, do outro lado
da linha de um celular... mas dois corações estavam a fibrilar na mesma
frequência, em busca de salvação.
Este é o Pão da Vida, narrado e protagonizado pela minha ganhadora do
Oscar, Ariadne Zippin.
A todos que comigo caminharam nestas linhas, que a vida de todos seja
leve e bela como o sol que venceu a tempestade deste dia comum, mas um dia
muito especial.
(Anita Zippin, advogada, jornalista, presidente da Academia de Letras
José de Alencar)
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