segunda-feira, 18 de maio de 2015

LAMBANÇAS

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403.RECADO
Verde oliva
LAMBANÇAS
Adriano Pires Ribas
         14 Mai 2015
Aqui capa, criação minha, e amostra, página de novo livro.
            Opa! Errei, desejava escrever lembranças. Mas, enfim que fique. O que vou aqui relatar são mesmo lambanças. E o que é lambança? No dicionário vejo: lorota, mentira, lero-lero,  falso heroísmo. Mas, usavamos assim dizer com o significado de trabalho mal feito, ou confusão. Sem importar  em qual sentido. Ainda podia ser falta de seriedade na brincadeira, no jogo, trapaça, e também indolência ou preguiça.

                                                                                                                                                                                                                        Imagem inline 4

E aqui vai justo com o sentido de confusão. Foi nos tempos de antes de antigamente, ‘tem po pra burro’. Quando compramos, pagando em prestações a perder de vista, nossa primeira casa. Pequena casa de madeira lá no campo, distante quatro quilômetros do ponto do ônibus, ônibus de hora em hora. Perdeu... danou-se. Foi triste regressando em certa quarta-feira, dia de meio expediente, encontrá-la vindo pela margem da rodovia Curitiba a Porto Alegre, com o filho de pouco mais de um ano no colo e trazendo pela mão a filhinha que ainda não completara quatro. Se me esperasse chegar em casa para ajudá-la com os pequenos, a fim de os levarmos ao pediatra, não chegaríamos a tempo de encontrar a clínica funcionando. Decidiu se antecipar e encontrar-me no caminho, correndo o risco de fazer aqueles quatro quilômetros inteiros carregando o menor e arrastando a pequena pela mão sob o sol das 13:00h.
Bom, havia necessidade de mudar aquela situação, e feito um sem número de contas, concluímos que seria possível comprarmos uma motoneta. Surgiu a ideia, mesmo já pendurados em dívidas. Na loja que as vendia encontrei uma usada.
Fragmentado o pagamento em ‘n + uma’ prestações, pretendendo com o dinheiro economizado do ônibus e um algo mais, pagá-las, saí dali motorizado. Mas, criei com isso três inconvenientes: Funcionava mal, vivia pifando. Surgiu mais uma despesa contínua, oficina. E, sem carta de habilitação, era volta e meia detido pelos fiscais do Detran que ameaçavam ficar com a motoneta. Duas vezes, depois de muita conversa deixaram-me ir. Sempre o mesmo grupo, eu já conhecidíssimo, na terceira vez saí dali a pé a procura da loja para lhes dizer que não poderia pagar e estava desistindo da motoneta. Mas, eles teriam de buscá-la no Detran, pois a mim não a entregariam enquanto não obtivesse habilitação. Voltei as andanças e ao velho ônibus, por um bom tempo.
O curioso é que, uma coisa que a lambretinha possibilitava e fazíamos as quintas-feiras a tardinha. Com a esposa na garupa saíamos de motoneta campo a fora, subindo e descendo outeiros, atravessávamos estreita pinguela sobre um riacho nos esperando em baixo a uns três metros de altura. Seria uma queda formidável. Logo adiante alcançávamos a estradinha carroçável que ligava dois lugarejos próximos e seguia até lá adiante alcançando o asfalto da BR116. Por ali seguíamos até a chácara que logo adiante existia. E lá, consideravam grosseria se chegássemos já dizendo a que viéramos. Depois entrarmos, assim era de bom tom, e depois de um punhado de conversa, e em geral até depois de gostoso café com leite gordo e broa com doce de pêssego, de lá voltávamos com um saco de verduras e legumes variados, além de uma vasilha de leite ordenhado na hora. Metade disso vinha a preços mínimos e em geral a outra metade vinha na base do:
- Leve, não custa nada.
Certa feita, próximo da hora de recolher as vacas, já chegando ao pátio do chacareiro, e elas se aproximando, tumultuavam a estradinha estreita. Bip! Bip! Pachorrentas se afastavam para a esquerda, bip! E saiam para a direita, Mais um bip e os movimentos se repetiam, e nós aos poucos avançando. Bip! E a seguinte tentou subir o barranco a direita. Não conseguindo voltou de ré dando-me uma bundada no ombro. Lá fomos, a motoneta comigo e a esposa estendidos no pó. Sorte que não estávamos carregados e nem havia por ali ‘retratos de vaca’ que elas costumam ir deixando pelo caminho.
Dois anos mais tarde ou pouco mais, a situação melhorara. Agora Segundo Sargento, fora promovido. Surgiu a oportunidade e usando aquela casa como parte do pagamento, adquirimos outra de melhor qualidade, se comparada a primeira. Tinha o entorno de alvenaria de tijolos, era um pouco maior, em local mais próximo do centro da cidade e dos recursos necessários. Distante apenas um quilômetro do ponto de ônibus, na Av Rep Argentina, então já asfaltada, e com ônibus a cada vinte minutos. Progressão!
Nessa época, não motorizado, descíamos a pé com sacolas de compras feitas lá na Avenida. E em uma região baixa éramos forçados a desviar um pântano. Mas, quando descia só, costumava distribuir o peso das sacolas de ambos os lados e cortar caminho me equilibrando sobre robusto cano que nos levava a necessária e saudável água. Ali no pântano não enterrado, estava meio metro acima da água, suspenso sobre estacas de concreto. De ferro galvanizado com uns quinze, ou vinte centímetros de diâmetro. Fazendo isso descia em linha reta reduzindo a distância em cerca de trezentos metros.
Certo dia de garoa, cano molhado, tentando passar, não deu outra. Escorreguei e caí recebendo o impacto bem na região delicada entre as pernas. Dor!!! Ali fiquei minutos gemendo sobre o cano com os pés enterrados na lama. Seguir andando não daria, teria água e lama até os quadris. E subir de volta ao cano?... Foi o que fiz, até hoje não sei como.
Depois de um tempo foi possível adquirir outra lambreta. Agora nova e modelo novo, branca com a lateral amarela, muito elegante e funcionava maravilhosamente, aquele progresso! Claro, pagando em sei lá quantas prestações. Então a primeira providência foi obter minha habilitação.
Esta última motoneta nos prestou relevantes serviços. Nos proporcionou comodidade, e também situações jocosas, várias. Tenho muita história a lhes contar. Quem sabe surja até outro livrete... pelo menos são causos diferentes.
Atrás adaptei um bagageiro que para ela foi criado, e sobre o guidom um anteparo de acrílico que nos protegia, em parte, da chuva de frente, e nos servíamos dela a contento. Com ela passeávamos, buscávamos tudo quanto necessitávamos. Buscávamos verduras em uma chácara distante, e de lá voltávamos rodando pelo campo, passávamos nos equilibrando sobre uma pinguela de tábuas, a quase três metros acima do riacho com o casal de filhos, cinco e quatro anos, creio, seguros no guidom, em pé entre minhas pernas. A esposa, como sempre se colocava, sentada no selim traseiro com as pernas voltadas para a direita.
Em certa ocasião apanhamos violenta chuva de verão e já chegando em casa, ruas a pouco abertas e sem revestimento, barro vermelho recém cortado, lisoooo... não deu outra. Foi escorregando, escorregando e deitou para a esquerda. Bem em frente ao bar e lanchonete de dona Tica. Aí todos emporcalhados de vermelho seguimos a pé os trinta metros que faltavam, eu empurrando a motoneta carregada.

Este artigo foi publicado em Saturday.

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