sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

DISCURSO DE POSSE – RUBENS FARIA GONÇALVES


DISCURSO DE POSSE – RUBENS FARIA GONÇALVES
Boa noite senhoras e senhores! Quando meus amigos e colegas acadêmicos Anita Zippin e Francisco Souto Neto cobriram meu torso com esta toga de cordão dourado, a mim foi conferida a honra de tornar-me o atual ocupante da cadeira n° 2 desta prestigiada Academia de Letras José de Alencar, cadeira esta anteriormente ocupada por Leopoldo Scherner, ilustre bacharel em Direito, poeta, prosador e, acima de tudo, saudoso professor nascido em São José dos Pinhais em 1919 e falecido em janeiro de 2011, uma vida dedicada aos livros e ao ensino do idioma português. Para mim, é uma grande honra tornar-me, hoje, seu sucessor na cadeira cujo patrono é o nosso poeta rebelde Cruz e Sousa, o introdutor do simbolismo no Brasil.
Cruz e Sousa nasceu em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, no dia 24 de novembro de 1861, no porão de um solar patriarcal provinciano típico do Segundo Império, filho de Carolina e Guilherme da Cruz, negros alforriados. Dos pais, o pequeno João herdou a cor da pele e a Cruz do nome. Ficou sendo João da Cruz. O Sousa viria depois.
Desde cedo nosso Joãozinho da Cruz contou com a simpatia e a proteção do seu senhor branco, o marechal Guilherme Xavier de Sousa, que lhe garantiu uma educação de acordo com o padrão senhorial da época. Anos mais tarde, num gesto de reconhecimento e gratidão, o poeta acrescentaria ao seu nome o Sousa do nome do seu benfeitor, passando a assinar João da Cruz e Sousa, ou simplesmente Cruz e Sousa. Até seus 14 anos, estudou no Ateneu Provincial Catarinense, recebendo uma formação humanística, com aulas de latim, grego, literatura francesa e inglesa, além de matemática e ciências naturais. Sua notável inteligência, a vivacidade intelectual, os pendores para poética e declamatória, associados ao ótimo desempenho escolar, trouxeram-lhe os primeiros elogios ― elogios estes que não eram suficientes para apagar o estigma da raça.
Para manter-se, além de trabalhar como caixeiro, o jovem Cruz e Sousa ministrava aulas particulares para filhos de famílias abastadas, o que ampliou suas relações sociais e lhe trouxe novas amizades, mas, em contrapartida, ficou mais exposto às reações preconceituosas da sociedade provinciana, o que, de certo modo, em 1881, levou-o a aceitar o convite para viajar com a Companhia Dramática Julieta dos Santos, atuando como ponto. (“Ponto” é o nome que se dava ao auxiliar de teatro que, oculto do público, recordava aos atores as falas dos personagens.) Empregado pela mencionada companhia teatral, Cruz e Sousa pôde sair do ambiente acanhado em que vivia e conhecer outras regiões do Império, participando de campanhas abolicionistas e divulgando seus poemas.
Em 1890 estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde se aproximou do então chamado Grupo dos Novos, exercendo forte liderança e dando contornos brasileiros a uma nova poética inspirada em propostas do simbolismo europeu. Em fevereiro de 1893, Magalhães & Cia Editores lançou os livros “Missal”, de prosa poética, e “Broquéis”, os dois únicos livros “solo” que Cruz e Sousa publicou em vida. Obras inovadoras, precursoras do simbolismo no Brasil, provocaram fortes críticas por parte daqueles que, como padrão literário, exigiam fidelidade realística e nacionalismo, em oposição à representação subjetiva da realidade e a uma linguagem que a classe intelectual dominante tolamente tachava de incompreensível.
Ainda em 1893, Cruz e Sousa casou-se com Gavinda Gonçalves, negra. Do casamento, nasceram quatro filhos, todos mortos prematuramente por tuberculose, e a própria Gavinda começou a sofrer sérios distúrbios mentais. Por fim, em 1898, em Curral Novo, Minas Gerais, Cruz e Sousa faleceu também de tuberculose. Seu corpo foi sepultado no Cemitério São Francisco Xavier, Rio de Janeiro. Em 2007 teve seus restos mortais transferidos para o Palácio Cruz e Sousa, antigo Palácio do Governo em Florianópolis.
Morto aos 38 anos, continua vivo nos seus versos, nos quais persistem a musicalidade, o sensualismo, o espiritualismo, a exteriorização dos mais íntimos sentimentos e a dor dissolvida em líricas imagens devotadas à Arte Pura, quando a expressão simbólica da emoção torna-se o principal instrumento do fazer literário. Em Lages, foi criado o Clube Cruz e Sousa para preservar a memória do poeta e promover a cultura negra. Em 1998 o cineasta Sílvio Back lançou um filme denominado “Cruz e Sousa – o Poeta do Desterro”. Na Academia Catarinense de Letras, Cruz e Sousa é o patrono da Cadeira 15. E aqui, em nossa prestigiada Academia de Letras José de Alencar, ele é o patrono da cadeira 2, a qual eu tenho o imenso orgulho de ocupar a partir de hoje.
Para fechar minha fala, é da pena de Cruz e Sousa, em seu notável poema “Arte”, que retiro os versos que leio a seguir:
Enche de estranhas vibrações sonoras
a tua Estrofe, majestosamente...
              Põe nela todo o incêndio das auroras
              para torná-la emocional e ardente.

              Derrama luz e cânticos e poemas
              no verso e torna-o musical e doce
              como se o coração, nessas supremas
              Estrofes, puro e diluído fosse.

Muito obrigado!

2 comentários:

GRATIDÃO OS HEROIS DA PANDEMIA