DISCURSO DE POSSE –
RUBENS FARIA GONÇALVES
Boa noite senhoras e senhores! Quando meus amigos e colegas
acadêmicos Anita Zippin e Francisco Souto Neto cobriram meu torso com esta toga
de cordão dourado, a mim foi conferida a honra de tornar-me o atual ocupante da
cadeira n° 2 desta prestigiada Academia de Letras José de Alencar, cadeira esta
anteriormente ocupada por Leopoldo Scherner, ilustre bacharel em Direito,
poeta, prosador e, acima de tudo, saudoso professor nascido em São José dos
Pinhais em 1919 e falecido em janeiro de 2011, uma vida dedicada aos livros e
ao ensino do idioma português. Para mim, é uma grande honra tornar-me, hoje,
seu sucessor na cadeira cujo patrono é o nosso poeta rebelde Cruz e Sousa, o
introdutor do simbolismo no Brasil.
Cruz e Sousa nasceu em Nossa Senhora do Desterro, atual
Florianópolis, no dia 24 de novembro de 1861, no porão de um solar patriarcal
provinciano típico do Segundo Império, filho de Carolina e Guilherme da Cruz,
negros alforriados. Dos pais, o pequeno João herdou a cor da pele e a Cruz do
nome. Ficou sendo João da Cruz. O Sousa viria depois.
Desde cedo nosso Joãozinho da Cruz contou com a simpatia e a
proteção do seu senhor branco, o marechal Guilherme Xavier de Sousa, que lhe
garantiu uma educação de acordo com o padrão senhorial da época. Anos mais
tarde, num gesto de reconhecimento e gratidão, o poeta acrescentaria ao seu
nome o Sousa do nome do seu benfeitor, passando a assinar João da Cruz e Sousa,
ou simplesmente Cruz e Sousa. Até seus 14 anos, estudou no Ateneu Provincial
Catarinense, recebendo uma formação humanística, com aulas de latim, grego,
literatura francesa e inglesa, além de matemática e ciências naturais. Sua
notável inteligência, a vivacidade intelectual, os pendores para poética e
declamatória, associados ao ótimo desempenho escolar, trouxeram-lhe os
primeiros elogios ― elogios estes que não eram suficientes para apagar o
estigma da raça.
Para manter-se, além de trabalhar como caixeiro, o jovem Cruz
e Sousa ministrava aulas particulares para filhos de famílias abastadas, o que
ampliou suas relações sociais e lhe trouxe novas amizades, mas, em
contrapartida, ficou mais exposto às reações preconceituosas da sociedade
provinciana, o que, de certo modo, em 1881, levou-o a aceitar o convite para
viajar com a Companhia Dramática Julieta dos Santos, atuando como ponto.
(“Ponto” é o nome que se dava ao auxiliar de teatro que, oculto do público,
recordava aos atores as falas dos personagens.) Empregado pela mencionada
companhia teatral, Cruz e Sousa pôde sair do ambiente acanhado em que vivia e
conhecer outras regiões do Império, participando de campanhas abolicionistas e divulgando
seus poemas.
Em 1890 estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde se aproximou
do então chamado Grupo dos Novos, exercendo forte liderança e dando contornos
brasileiros a uma nova poética inspirada em propostas do simbolismo europeu. Em
fevereiro de 1893, Magalhães & Cia Editores lançou os livros “Missal”, de
prosa poética, e “Broquéis”, os dois únicos livros “solo” que Cruz e Sousa
publicou em vida. Obras inovadoras, precursoras do simbolismo no Brasil,
provocaram fortes críticas por parte daqueles que, como padrão literário,
exigiam fidelidade realística e nacionalismo, em oposição à representação
subjetiva da realidade e a uma linguagem que a classe intelectual dominante
tolamente tachava de incompreensível.
Ainda em 1893, Cruz e Sousa casou-se com Gavinda Gonçalves,
negra. Do casamento, nasceram quatro filhos, todos mortos prematuramente por
tuberculose, e a própria Gavinda começou a sofrer sérios distúrbios mentais.
Por fim, em 1898, em Curral Novo, Minas Gerais, Cruz e Sousa faleceu também de
tuberculose. Seu corpo foi sepultado no Cemitério São Francisco Xavier, Rio de
Janeiro. Em 2007 teve seus restos mortais transferidos para o Palácio Cruz e
Sousa, antigo Palácio do Governo em Florianópolis.
Morto aos 38 anos, continua vivo nos seus versos, nos quais
persistem a musicalidade, o sensualismo, o espiritualismo, a exteriorização dos
mais íntimos sentimentos e a dor dissolvida em líricas imagens devotadas à Arte
Pura, quando a expressão simbólica da emoção torna-se o principal instrumento
do fazer literário. Em Lages, foi criado o Clube Cruz e Sousa para preservar a
memória do poeta e promover a cultura negra. Em 1998 o cineasta Sílvio Back
lançou um filme denominado “Cruz e Sousa – o Poeta do Desterro”. Na Academia
Catarinense de Letras, Cruz e Sousa é o patrono da Cadeira 15. E aqui, em nossa
prestigiada Academia de Letras José de Alencar, ele é o patrono da cadeira 2, a
qual eu tenho o imenso orgulho de ocupar a partir de hoje.
Para fechar minha fala, é da pena de Cruz e Sousa, em seu
notável poema “Arte”, que retiro os versos que leio a seguir:
Enche de estranhas vibrações sonoras
a tua Estrofe, majestosamente...
Põe nela
todo o incêndio das auroras
para
torná-la emocional e ardente.
Derrama
luz e cânticos e poemas
no verso e
torna-o musical e doce
como se o
coração, nessas supremas
Estrofes,
puro e diluído fosse.
Muito obrigado!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigado, Cascaes. Grato por publicar meu discurso. Abraço.
ResponderExcluir