Exercitando o cérebro e
aprendendo – círculo de debates e tolerância
Aprendi com meu pai (Pedro
Cascaes) a arte do diálogo livre, calmo e sem ofensas. Ele foi meu grande
mestre sem agregar a suas colocações qualquer rótulo ou chavão. Infelizmente
faleceu em 1966, que falta fez...
Passei no vestibular em Itajubá,
o IEI (1) , o que era o sonho dele
(eletricista e filho de eletricista (João Cascaes)), talvez na esperança de um
dia eu voltar e continuar seu principal trabalho, cuidar da família partindo da
lojinha de material elétrico que ele tinha em Blumenau (Instaladora de
Blumenau). Se estivesse vivo quando me formei provavelmente essa seria uma
opção tentadora, mas eu queria fazer minha vida, na época já casado e com uma esposa
e filha muito queridas. Minha irmã (Sônia Maria) comandava com sucesso o que
assumira ainda estudante de Direito...
Itajubá, no sul de Minas Gerais,
tinha o privilégio de ser a cidade do Instituto de Engenharia de Itajubá, que
antes de 1968 foi transformada em Escola Federal de Itajubá (EFEI) para depois
submergir entre muitas faculdades da UNIFEI. Era considerada uma das melhores
entre as muito poucas fábricas de engenheiros eletromecânicos, dividida ao
longo da década de sessenta entre Eletrotécnica e Mecânica, mas chegando a 1968
(quando concluí meu curso e comecei a trabalhar na Copel, sem esperar o diploma
que só foi entregue após os exames para aqueles que ficaram em segunda época no
início de 1969) praticamente formando engenheiros eletromecânicos, um curso
pouco diferente do original. Logo que pude vim para casa (Blumenau) para
assistir a formatura de minha irmã Sônia Maria em Florianópolis e em seguida me
apresentei em Curitiba para garantir um salário que simplesmente era
indispensável... O salário atrasou um mês e assim passei meu primeiro Natal e
Ano Novo em Maringá, a centenas de quilômetros de minha esposa e filha. Valeu
pois aprendia técnicas e problemas de uma usina diesel com alguns desafios
operacionais, além de mais uma vez exercitar um caráter que precisou de muitos
anos para se consolidar (alguns têm a felicidade de nascerem “perfeitos”, não
era o meu caso).
Em Itajubá deixei de ser criança.
Lá perdi o primeiro vestibular numa sequência de exames que praticamente tinha
superado, derrubado por três partidas de canastra real (5 mil pontos cada uma)
na manhã da prova que eu melhor saberia superar, esqueci até a fórmula da
circunferência do círculo à tarde diante de questões simples. Graças a isso fui
passar uns dias na Cidade do Rio de Janeiro com a Sônia Maria em casa de uma
tia e depois meus pais, apertando o orçamento familiar, mandaram-me fazer um “cursinho”
em São Paulo, o Di Tullio (2) , onde entre as aulas
jogávamos pedaços de giz na cabeça de quem passava pela calçada em frente do
prédio em que estávamos na Rua Conde de Sarzedas...
Terminei o ano sem muita
convicção do que pretendia ser e assim me inscrevi em cinco vestibulares, mais
uma vez assustando meus pais pois as cópias dos documentos necessários para
inscrição eram caras... sonhava em ser piloto da FAB mas antes de qualquer
coisa era fundamental atender quem me patrocinava no sentido lato da palavra.
Passei no IEI e do alto da
elevação onde o Hotel Glória me hospedava fiquei pensando se ficava alegre ou
triste, deveria residir em uma cidade muito pequena e longe de Blumenau,
Florianópolis e Laguna (cidades onde tinha minhas raízes).
O povo de Itajubá foi uma
revelação extremamente positiva, principalmente pela qualidade intelectual cultural,
comportamental, com destaque para a tolerância aos jovens que lá chegavam para
estudar. Que paraíso que fui compreendendo aos poucos, principalmente uma
década tão complexa quanto aquela.
1964 foi o ano da revolução,
golpe, quartelada ou o que historiadores e especialistas queiram dizer, um ano
muito diferente daqueles em que a República foi proclamada e registros
confiáveis e romances tão bons quanto o Guerra no Fim do Mundo de Mário Vargas Llosa
descrevem o que aconteceu à época... O povo brasileiro não gostou dos tempos da República “Café com
Leite” e assim novas ditaduras aconteceram, ou melhor, sempre existiram. Pior ainda
foi o desgaste financeiro, material, moral, desmontando sentimentos de unidade
que exigiram tanto de nossos imperadores e levaram até ao Altar da Pátria as
bandeiras de um país dividido, unido pela força do DIP e os porões e calabouços
do período Vargas. A democracia após a Segunda Guerra (1945 a 1964) foi o
resultado do modelo imposto pelos EUA, antes de mais nada.
Bem, após essa “introdução” vamos
ao Círculo de Debates que eu e alguns amigos, entre eles três sargentos do
Batalhão de Engenharia e dois padres, gradativamente aderindo, o Armando Moreira
com excelente memória saberá dizer os nomes e detalhes melhores, formamos no
quarto da República em que eu vivi quase três anos.
Que maravilha!
A regra desse grupo era simples,
todos podiam fazer qualquer afirmação, ninguém podia se exaltar com ela, e
todos deviam testar o que fora dito criando um ambiente de discussão extremamente
agradável, pois o sectarismo e a agressividade não eram permitidos. Aprendemos o valor da dúvida e quanto existia
para estudar e aprender. Naquela época filósofos (3) extraordinários
construíam a reação às certezas de ideologias assassinas.
Pessoalmente fortaleci conceitos
que, entre muitos espaços, testei antes no Colégio Santo Antônio no intervalo
de aulas com amigos confidentes e na saudosa Academia de Oratória Frei Mont’ Alverne
[ (4) , (5) ] idealizada pelo
Frei Odorico Durieux (6) .
Para minha felicidade, além disso,
vivi cinco anos em Itajubá aprendendo a arte da tolerância e da fraternidade,
qualidades típicas do que existe de melhor em Minas Gerais, principalmente
naquela cidade universitária em que fiz Engenharia. Quanto ao Círculo de
Debates vale um conselho, se é que isso funciona em ambientes tão oportunistas
quanto os da Política, mas certamente válidos para escolas em qualquer nível,
estimulem o debate e a liberdade de pensamento, fujam das certezas, elas são a
matéria prima de quase todas as violências que a Humanidade enfrentou e parece agora
turbinar de muitas maneiras.
Cascaes
16.4.2015
1. Cascaes, João Carlos. Imagens de Itajubá
e da festa de 40 anos da turma formada em 1968 pela EFEI, IEI quando começamos.
[Online] http://engenhariaitajuba1968historiaeimagens.blogspot.com.br/.
2. Passos, Santos.
Di Tullio. Meu Bazar de Ideias. [Online] 20 de 8 de 2006.
http://santospassos.blogspot.com.br/2006/08/di-tullio.html.
3. Cascaes, João
Carlos. Procurando Saber, Entender, Aprender Filosofia, História e
Sociologia - SEM CENSURA. [Online]
http://querendo-entender-filosofia.blogspot.com.br/.
4. Academia de
Oratória Mont’Alverne. Bom Jesus / Cultura. [Online] [Citado em: 16 de 4
de 2015.] http://www.bomjesus.br/cultura/projetos_exibir.vm?id=20641150.
5. Francisco do
Monte Alverne. Eikipédia. [Online]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_do_Monte_Alverne.
6. Luz, Gervásio. O
pensamento vivo de Frei Odorico - Um bem amado . Livros e Filmes Especiais. [Online]
NOVA LETRA.
http://livros-e-filmes-especiais.blogspot.com.br/2014/11/o-pensamento-vivo-de-frei-odorico-um.html.
Pai, muito bom o texto!
ResponderExcluir:)
Conheci um pouco mais de você!!!