Teor da entrevista concedida a uma prestigiosa
Revista de Brasília – a REVISTA
JURÍDICA CONSULEX – por Ângela Maria Marini Simão Portugal
Frota, directora do Centro de Formação para o Consumo da apDC/Direcção Nacional,
e que veio a lume no n.º 387, do dia 1.º de março de 2013, da aludida
publicação.
Entrevista publicada ainda no NETCONSUMO, edição
de hoje, 28 de Maio de 2013.
EDUCAÇÃO
PARA A PUBLICIDADE
REALIDADE NECESSÁRIA TAMBÉM NO BRASIL
ÂNGELA MARIA MARINI SIMÃO PORTUGAL FROTA é especialista em Educação para o Consumo e
para a Segurança Alimentar. Dirige o Centro de Formação para o Consumo de
Coimbra (Portugal), adstrito à apDC - Associação Portuguesa de Direito do
Consumo.
Com intensa atuação em atividades voltadas à
educação para o consumo, a insigne entrevistada fala à Consulex
em perspectiva que abrange a responsabilidade das famílias, das escolas, da
sociedade como um todo e do Estado com relação à publicidade infantil, em
sintonia com a diretriz de proteção à criança e ao adolescente, traçada pela
Constituição Federal de 1988.
Ao tratar deste fenômeno publicitário a partir
da larga experiência que merece nota, e da observação do enfrentamento da
questão em outros países, inclusive citando efeitos nefastos da publicidade
infantil para este grupo em fase de formação, não apenas suscita o dever de
proteção de crianças como inspira uma proposta legislativa protetiva mais
eficiente, dentre outras medidas que podem ser observadas desde já, para o
estabelecimento de uma verdadeira educação para a publicidade.
Revista Jurídica
CONSULEX – A
publicidade infantil deveria ser proibida ou tornar-se alvo de legislação mais
rígida?
Especialista ÂNGELA
MARIA MARINI SIMÃO PORTUGAL FROTA – Em nosso entender, a publicidade dirigida ao público infantil deve ser
totalmente proibida, em qualquer suporte. Isto porque crianças até os 7 anos –
e estudos mais avançados permitem estender esta idade até os 10 anos – não
distinguem a publicidade de qualquer outro programa que lhes seja dirigido.
CONSULEX – As crianças, então, não estão preparadas
para a interpretação dos apelos publicitários que as cercam cotidianamente?
ÂNGELA MARIA FROTA – De modo algum. Em programas de televisão, celulares, redes sociais, outdoors, escolas e shoppings,
por exemplo, há publicidade infantil, com estímulos diários. Uma
criança precisa de apenas dois visionamentos de um anúncio, de uma mensagem,
para absorvê-lo na íntegra, ao passo que o adulto precisa de treze contatos com
o conteúdo para atingir o mesmo fim. Se atentarmos que as crianças entre 2 e 5
anos veem cerca de 27,5 horas de
televisão por semana (e 20%
deste tempo é gasto em publicidade),
isso representa uma média de 26
a 27 000 mensagens publicitárias por ano. Estamos perante autênticas lavagens
ao cérebro.
CONSULEX – Qual o maior risco desta realidade para
as crianças?
ÂNGELA MARIA FROTA – Confrontamo-nos com uma
total falta de ética na publicidade, de que decorrem práticas reprováveis, como
a manipulação infantil. A venda de
produtos ficou mais sofisticada a partir de 1998 - denúncia feita Suzan Linn (professora
de Psiquiatria na Escola Médica de Harvard), num documentário - “The
corpotation” - que foi boicotado pelas televisões dos EUA e de muitos outros
países. Referia-se concretamente à manipulação infantil para comprar produtos.
Duas grandes corporações, a West
International Media Century City (WIMCC) e a Lieberman Research World Wide
(LRW), fizeram estudos sobre a teimosia infantil. Estes estudos não se destinavam a auxiliar os pais a
lidar com a teimosia da criança, mas a ajudar as corporações a “ensinar”
crianças a pressionar os pais
para adquirir produtos ou marcas da sua preferência, da maneira mais eficiente.
Só nos Estados Unidos estas duas corporações despendem 12 bilhões de dólares por ano, para manipular o comportamento das crianças e
jovens por meio da publicidade e do marketing. O que se pretende, no
fundo, é formar futuros sujeitos
acríticos e manipuláveis perante os apelos do consumismo globalizado.
CONSULEX – Uma providência legal neste sentido
atenta contra a liberdade de expressão?
ÂNGELA MARIA FROTA – As crianças são o melhor do mundo; como poderemos consentir que
agentes pouco escrupulosos as manipulem sem qualquer pudor e impunemente? Não
se venha alegar que a proibição pura e dura constitui uma afronta ao princípio da liberdade de expressão, a qual, em
termos constitucionais, não se confunde com meras estratégias mercadológicas. O
tema da liberdade de expressão merece análise na esfera político-ideológica, e
não no campo da publicidade e do marketing. Além disso, a ética, a deontologia e
a lei podem impôr legitimamente restrições ou proibições por razões de
interesse público e de defesa da dignidade humana à comunicação comercial e às
estratégias mercadológicas.
CONSULEX – Como os países europeus enfrentam esse
problema?
ÂNGELA MARIA FROTA – Países como a Suécia e a Noruega, entre outros, proíbem a publicidade,
em qualquer suporte, dirigida a menores de 12 anos, preparando-se para ampliar esta
proibição, ao que se julga saber, até os 14 anos. No Canadá, o Quebec tem
proibição até os 13 anos. Países outros há que fazem sérias restrições a tais
mensagens - a Inglaterra que, entre outras regras, proíbe práticas como o uso
de mascotes em publicidade a alimentos; cortes rápidos de edição, com o escopo
de não confundir as crianças; a insinuação de que a criança será inferior se
não usar um produto anunciado; o encorajamento da valentia e o uso de efeitos
especiais; na Grécia, vale ressaltar, a proibição a publicidade de brinquedos
das 07:00 às 22:00 horas; na Bélgica, é vedada a publicidade dirigida às crianças
na região da Flandres; e, na Irlanda, em
programas infantis na TV aberta. Estes países têm níveis elevados de educação
para o consumo na qual se abrange a educação para a publicidade, desde a mais
tenra idade. Estes programas estão inseridos nos currículos escolares de forma
transversal. Também há programas de informação para o consumo, em horário nobre
(prime time), na TV e demais órgãos
de comunicação social. Por mais que as agências de publicidade e marketing lutem contra tais programas,
os poderes públicos destes países não permitem que sejam retirados ou vedados.
CONSULEX – No âmbito da União Europeia, há esforço
maior em afastar a publicidade infantil?
ÂNGELA MARIA FROTA – Na União Europeia, por proposta da apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo,
apresentada ao Comitê Econômico e
Social Europeu (CESE), seu órgão consultivo, se elaborou um parecer de iniciativa – aprovado
quase por unanimidade, em 18 de setembro de 2012 – em que se sugere a proibição
da publicidade protagonizada por crianças e dirigida à mesma faixa etária em
geral e nas televisões generalistas, com vista à adoção de um regime análogo ao
da Suécia enquanto não houver, nas escolas, matérias de educação para o
consumo. O parecer está em tramitação na Comissão Europeia para eventual
iniciativa legislativa nesse sentido.
CONSULEX – Que males se busca evitar com esta
iniciativa?
ÂNGELA MARIA FROTA – Os investimentos em marketing
e publicidade prejudicam as crianças e o seu desenvolvimento. Não sendo a única
causa, eles são responsáveis por muitos dos problemas, dos distúrbios que
afetam as crianças de hoje, listando-se os transtornos alimentares (bulimia, anorexia, obesidade); a
erotização e sexualidade precoces; a erosão das brincadeiras criativas; além de
episódios de violência e estresse familiar. Ademais, assiste-se a um aumento
exponencial de alcoolismo em idades muito precoces, muito embora a venda de
álcool seja geralmente vedada a menores de 18 anos, como no caso das
legislações portuguesa e brasileira. No entanto, as leis são sistematicamente
violadas sem que haja, por parte das entidades a quem compete a fiscalização,
uma atuação eficaz e dissuasora.
CONSULEX – É possível, aos pais e responsáveis, de
forma estanque, enfrentar o problema?
ÂNGELA
MARIA FROTA – Em verdade, os pais terão
muita dificuldade em, por si sós, subtrair os seus filhos de tanta agressão. Os
políticos têm que olhar para os cidadãos que os elegem de modo continuado e
permanente, lutando dia a dia para criar condições de vida saudáveis a todos os
cidadãos, a começar pelas crianças. Um país que relega para segundo plano a
educação, ou corta verbas anualmente para este sector, é um país condenado às
galés, é um país sem futuro. Quando o Estado se exime da sua responsabilidade e
as escolas são dotadas de docentes mal remunerados, desmotivados ou
despreparados, o que acontece é vermos as escolas transformadas em nichos de eleição
da publicidade, constituindo autênticas plataformas
preferenciais de comércio, de modo a permitir a manipulação de pais e a doutrinação de alunos. Nesse contexto, detectamos o aliciamento dos professores por
meio da seleção e a deliberada “oferta” de livros escolares, a insinuação de
marcas nos programas de cada uma das disciplinas ou matérias, a publicidade nos
livros escolares e a pretensa
filantropia social com a prática de pretensos “atos de caridade”, como
no caso de visitas
de estudo a pizarias, hamburguerias e casas do estilo.
CONSULEX – Há exemplos na esfera internacional?
ÂNGELA
MARIA FROTA – Sim, há uma pretensa educação para a
publicidade veiculada pelas associações internacionais de anunciantes e mesteres correlativos, que deve
ser sustada. Veja-se o caso do Programa Media Smart, que veio
da Inglaterra aos trambolhões. Foi implementado em algumas escolas portuguesas
pela Associação Portuguesa de
Anunciantes (APAN), com o apoio dos responsáveis do Ministério da
Educação. Nele são os publicitários e quejandos a levar uma pretensa educação
para a publicidade às crianças, nas escolas, com os resultados nefastos daí
decorrentes. É o mesmo que pôr a raposa a guardar o galinheiro. Estão a
vender-nos gato por lebre. E o Estado consente nisso, sem se comover. E agora
até se associou à iniciativa, mas não se estranhe: é que no Estado estão hoje
as crianças de ontem, intensamente manipuladas e que se tornaram acríticas… É
um ciclo vicioso que há que romper impiedosamente!
CONSULEX – Como deve ser a educação para a
publicidade?
ÂNGELA
MARIA FROTA – A educação para a publicidade tem de ser autêntica, autônoma, desipotecada de marcas e de
influências nefastas. Mas seguida de forma autônoma pelas escolas, no quadro da
educação para o consumo. Com a descodificação do fenómeno, de modo gradual, por
grupos etários, numa espiral de aprendizagem que transforme crianças e jovens
acríticos e receptivos a tudo o que lhes queiram impingir em seres críticos,
exigentes, imunes às distintas formas de manipulação que se lhes dirigem.
Só pela massificação da educação conseguiremos resistir a tanto
atropelo, superando os quadros atuais que são de consumado crime de
lesa-cidadania. Para isso, os pais e educadores têm que contar com a criação de
condições para que problema tão grave a médio, longo prazo se resolva. O
obscurantismo tanto serve às ditaduras mais ferozes como aos arremedos de democracia,
em que lamentavelmente vivemos. A crise mundial aí está e é o resultado dos
desvarios a que os sucessivos governos, na Europa, nos conduziram, com o
assentimento silencioso dos povos. Se as crianças são o melhor do mundo, é crime de lesa-pátria não pugnar
denodadamente para que se lhes propicie condições de desenvolvimento saudáveis,
em que não cabem ações de manipulação como as que na publicidade e no marketing
a elas dirigidas se consubstanciam.
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