quarta-feira, 3 de maio de 2017

O saco de Esperança



O saco de Esperança
Esperança  nasceu. Se fosse menino seria jogador de futebol, seria namorador, seria um sonho realizado, mas Esperança foi muito bem vinda! Uma menina!!!!
Ela foi muito amada. Sempre arrumada de vestidinho cor de rosa, chiquinhas no cabelo, bem penteada e perfumada, afinal, Esperança era filha de um nobre casal e a sociedade pede certas regras de etiqueta.
Aos 4 anos Esperança, queria ser jogadora de futebol, jogava bola na escola, jogava bola em casa, jogava bola na sala, até que sua mãe tirou a sua bola.
- Bola é coisa de menino. Você vai sujar seu vestido. Olha o seu cabelo! Disse sua mãe desapontada.
Com educação muito rígida, ela simplesmente ouvia e aceitava de cabeça baixa todas as coisas que sua mãe falava, mesmo não gostando.
Aos 10 anos resolveu que queria pintar quadros. Pegou seu dinheirinho, da mesada que ganhava, e comprou suas tintas e um pedaço de cartolina, imaginando ser a sua tela. Fez seus primeiros rabiscos.
- O que é isso? Vai sujar o vestido! Olhe a sua mão! Limpe essa bagunça! Quanto rabisco. Pintura é pra quem sabe! Limpe tudo imediatamente!!! Disse sua mãe com tom brabo.
Cada coisa ruim que acontecia na vida de Esperança, ela escrevia ou desenhava e colocava em uma sacola. Retrucar sua mãe era impossível, pois temia ser mandada ao colégio interno. Dessa maneira o seu caderno e suas coisas eram seus melhores amigos. Seus brinquedos eram seus confidentes. Tinha urso, boneca, cachorro de pelúcia e até mesmo sua pedra de estimação. Estes recebiam os nomes mais estranhos possíveis. Seu cachorro era o goleiro, ela não podia jogar futebol, mas tinha escondido seu goleiro. Sua pedra era a magia das cores, pois ela se imaginava pintando no ar todos os quadros possíveis e assim seus dias ficavam aparentemente mais fáceis.
Aos 15 anos ela queria viajar para a Amazônia conhecer os índios e pediu de presente de aniversário.


- ahahahah! Amazonia? Imagine aquele monte de mosquitos? Onde vai dormir? O que vai comer? O que perdeu lá? Aliás, quem vai lavar sua roupa e passar prancha no seu cabelo? Esperança, cada dia que passa vocês esta pior, filha! O que os amigos de seu pai vão falar? Você vai é debutar no clube e não vamos falar mais nisso! Seque essas lágrimas e amanhã você vai provar o seu vestido. Disse sua mãe debochando.
E como sempre Esperança baixou sua cabeça e fingiu, desta vez, aceitar o que sua mãe impunha.
Cansada, triste, amargurada e sentindo que sua vida não tinha sentido, ela juntou tudo de mais importante que existia na vida, colocou em uma sacola e saiu de casa, querendo nunca mais voltar.
Caminhou dias por campos e florestas, sujou a roupa, despenteou o cabelo para se sentir mais livre mas o peso de sua vida não saia de suas costas. Esperança pensava, pensava e pensava e não chegava a nenhuma conclusão.
Já exausta, resolveu entrar em uma pequena estrada e achar um canto para dormir.
O portão estava aberto e uma forte luz vinha lá de dentro. Cansada mas curiosa, resolveu espiar.
Ficou durante uma hora observando aquela luz, aquele fogo e nem sinal de qualquer pessoa.
O frio estava piorando e ela sentou-se ao lado da deliciosa fogueira. Pegou no sono.
Ouviu um sussurro.
- Esperança, acorde!
Em um único pulo Esperança levantou e segurou tão firme a sua sacola que nem sentiu o peso que carregava.
- Calma! O que tem nessa bolsa, perguntou a senhora, com uma voz tranquila e doce!
- Você vai me roubar?
-Essa não é a minha ideia, mas se preciso for...


- São minha coisas, são meus tesouros, guardo desde criança por favor não leve de mim.
- Calma, só quero saber o que tem ai dentro.
- São coisas sem valor.
- E por que você guarda?
- Por que tem valor pra mim!
- Me mostre!
Timidamente Esperança começou a tirar as coisas da sacola. Uma a uma, ainda desconfiada da senhora, mas algo no coração dela dizia que podia confiar, afinal foi ela que invadiu aquela casa.
- Bom, o que temos aqui nesse papel? Você não pode jogar futebol por que é coisa menino? O que significa isso?
- Significa que tenho que me lembrar disso, minha mãe me disse isso quando eu era criança!
- Mas por que esse papel é tão importante pra você?
- Ué! Se eu fizer certinho meus pais me disseram que eu ia ser muito feliz.
- E você jogou futebol?
- Não!
- É feliz então?
- Não!
- Bom, então essa receita não esta dando muito certo não acha?
E as duas cairam na gargalhada.
- E esse outro papel?
- Ah! Bobagem!
- Deixe-me ver! Que lindo esse desenho! Quem fez?
- Eu fiz, mas não precisa mentir, sei que está horrível, foi meu primeiro e último.
- Eu achei lindo, acho que deveria pintar outros. Os desenhos não são feitos por pessoas e mãos, são feitos com a magia das cores e pintados pela alma. Se a sua alma estiver feliz, eles ficarão lindos.
- Você acha?
- Claro! E se você guarda esse desenho é por que ainda acredita que pode um dia pintar. Me conte uma coisa, como veio parar aqui?
- Fugi de casa, minha mãe quer que eu participe de uma festa idiota, para pessoas idiotas, com uma roupa idiota e eu nem sei por que?
- E precisava fugir de casa para isso? Não era mais fácil falar que não queria?
- Não posso!
- Não pode? Me conte um pouco mais!
- Lá em casa nunca posso falar nada, tenho que usar as roupas que minha mãe compra, tenho que falar baixinho e educadamente, tenho que cuidar do cabelo e nao posso cortar, não posso usar nada do que eu quero. Meus pais me falaram que eles tem tudo o que tem por que aprenderam a ser como são. Por isso são felizes.
- E como sabe que eles são felizes?
- Eles tem casa, carro, empregada, dinheiro, muitos amigos.
- Quem são esses amigos?
- Não sei o nome da maioria, pois quando tem festa lá em casa fico no meu quarto.
- Entendi. E você quem é?
- Sou a Esperança, desculpe não me apresentei.
- E quem é a esperança?
- Como assim? Sobrenome? Onde moro? Essas coisas?
- Nao querida! Quem é você?
Lagrimas desceram pelo rosto de Esperança pois pela primeira vez ela se deparou com  a pior realidade. Ela nao tinha ideia de quem era.
- Posso te ajudar a arrumar esse saco de coisas, se você me permitir eu te ajudo a descobrir quem você é?
- Como mágica?
- Não, como conhecimento de alguém que já viveu muito mais que você!
E assim o saco foi aberto. Todas as regras que seus pais impuseram, todas as broncas, todas as limitações foram saindo daquele saco. Um a um foram sendo queimados na fogueira. Cada papel, cada objeto que Esperança queimava, mais alivio ela sentia. Quando o ultimo papel foi queimado ela riu alto.
Esperança descobriu que até aquele momento ela era a projeção de seus pais e que o peso do passado não permitiram que ela se olhasse no espelho e conhecesse a verdadeira Esperança!
- Olhe-se nesse espelho. Quem você é agora?
- Sou a Esperança, não sou ninguém. Apenas sou. Livre e leve!
- Sim essa é você, livre, leve, apenas um ser. Você não precisa mais carregar esse saco, pode queimá-lo tambem. Sua roupa pode estar suja, mas a sua alma deve ficar sempre limpa. De agora em diante, se conheça, se respeite e serás feliz!!!!
A senhora se levantou. Deu um beijo na testa de Esperança e saiu.
- Espere! Quem é você?
- Eu me chamo Esperança!






Um comentário:

  1. que lindo, Cascaes a postar o primeiro conto de Luiza, minha neta. agradeço o carinho e, tomara mais inspirações venham desta geração que é, com certeza, nosso futuro.

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