sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Discurso em nome dos novos acadêmicos



Prezados confrades e confreiras
Meus amigos e familiares

A arte de viver em comunidade e a essência da vida levaram grandes pensadores a discutir, falar, ensinar e propor soluções e assim, há pouco menos de três milênios, surgiram rudimentos de organização literária, entre elas o que se denominou Academia, fundada por Platão em 387 a.C..
Esse ambiente conquistou respeito, admiração e formou muitos filósofos e amantes da verdade, simplesmente. Apesar dessa característica “subversiva” só foi encerrada em 529 d.C., diante da intolerância e o medo dos romanos. Ou seja, o ativismo sutil, mas eficaz dos acadêmicos, apesar das palavras difíceis e da racionalidade estimulada pelo grande mestre Sócrates (que desprezava a escrita e valorizava a retórica), expressa maravilhosamente em suas palavras: “a única certeza que tenho é a de que nada sei”, incomodava os donos do Poder, que talvez tenham saciado sua raiva com a dose de cicuta que o grande mestre foi obrigado a tomar. Aliás, esses, os poderosos, têm, acima de tudo, medo (Ferrero, 1945). Podem perder muito... Epíteto sabia disso (Arendt, A vida do Espírito, 2009).
A história da Filosofia é rica em rebeldes, gente que assustou com a Lógica, a Retórica e a capacidade de escrever. Alguns pagaram caro pela ousadia de usar só palavras para discordar do Poder Instituído, valendo aqui lembrar Giordano Bruno, torturado e queimado em 1600, não por ações políticas, mas simplesmente diante do terror que seus livros inspiravam nas mentes inquisitoriais. Para sentir sua personalidade e o ambiente em que viveu, o filme (Giordano Bruno, 1973) é espetacular. Outros, espertamente, usaram a arte de falar e escrever para impingir temor e disciplina (Os Grandes Sonhos da Humanidade, condutores de povos, sonhadores e rebeldes, 1937).
É interessante, contudo, em defesa das elites, dizer que “A ausência de pensamento é realmente um poderoso fator nos assuntos humanos; estatisticamente, é o mais poderoso deles, não apenas na conduta de muitos, mas também na conduta de todos. A premência, a “a-scholia” dos assuntos humanos, requer juízos provisórios, a confiança no hábito e no costume, isto é, nos preconceitos.” (Arendt, A vida do Espírito). Esse comportamento, talvez por preguiça mental, leva as pessoas a quererem certezas. Os discursos precisam, para agradar, serem feitos expressando convicções. É muito difícil liderar mostrando dúvidas.
O tempo, apesar de tudo, consolidou a evolução e a transmissão do conhecimento através de pensamentos e culturas escritas. Esse material tornou-se parte fundamental nos arquivos de nossos cérebros.
A retórica deu lugar aos livros e jornais. Quem rotineiramente deseja expressar suas convicções e dúvidas sem a preocupação de vencer polêmicas precisa escrever, pelo menos na esperança de em algum dia futuro ser compreendido.
Poder e saber escrever, portanto, significou muito para o ser humano selvagem sair das florestas para a vida comunitária atual.
A linguagem, apesar de todas as barreiras naturais e criadas, tornando-se escrita ganhou padrões que permitiram o desenvolvimento científico e cultural da Humanidade. Se a preguiça (mental e a falta de disposição para a realização material) é um abismo entre a cultura e a ação justa, ela não impediu que vagarosamente o ser humano criasse signos, frases e textos completos sobre o que pensa, faz e quer. E assim a humanidade começou um processo de evolução fantástico que hoje lhe permite, diariamente, publicar em média três mil livros e a duplicação do conhecimento humano a cada 72 horas, por enquanto. Essas estimativas são feitas por entidades que rastreiam o desenvolvimento da humanidade e, perfeitas ou não, dão uma idéia da incrível capacidade que se desenvolve nisso que chamamos de cérebro humano e por efeito da universalização da cultura em todos os seus sentidos.
E como isso foi possível? Acima de tudo a partir de alguns momentos da nossa viagem através dos tempos. Nos primeiros rudimentos da escrita tínhamos hieróglifos, símbolos ainda estranhos, desenhos e outros padrões de expressão em papiros, madeiras, tijolos, couros, conchas, ossos... e pedras. A grande revolução começou com o trabalho de Gutenberg e a exigência luterana de que todos lessem a Bíblia. Se algo merece ser lembrado nesse momento é a determinação religiosa de que os cristãos deveriam estudar a Bíblia, ou seja, precisariam saber ler, e quem lê aprende a redigir, escrever. Principalmente nos países da Reforma as escolas se multiplicaram, criando um ambiente de educação que se impôs à Humanidade.
Agora ganhamos novos recursos e sistemas de comunicação inimagináveis até poucos anos, que, entretanto, só podem ser usados de forma adequada por aqueles que estudaram e dominam a arte da leitura, da escrita e do ditado. Felizmente já é possível revalorizar a Retórica, primeira arte nas propostas pelo grande filósofo Sócrates, cujas palavras só não foram perdidas porque seus discípulos acadêmicos delas se lembraram fazendo livros e tratados de Política, Matemática e Filosofia de imenso valor nesses últimos dois e meio milênios.
É nosso desafio estimular os mais jovens a explorar com dignidade, respeito e para o bem da humanidade o saber ler, ouvir e escrever. Nesse momento, confrades e confreiras, nossos amigos, companheiros e Irmãos valem as perguntas:
Qual o significado de uma academia?
O que fazer ? Onde? Como?
Escrever por quê?
Como dissemos, a importância da palavra escrita é especialmente sensível na história da Humanidade.
Sabemos muito de povos que aprenderam a escrever e fixar o que redigiram de maneira segura e capaz de resistir ao tempo e suas violências naturais e artificiais.
Podemos apenas imaginar e criar cenários de civilizações antigas, que não deram à posteridade material legível, textos, ainda que em hieróglifos, permitissem-nos o conhecimento do que diziam e faziam. Imaginarmos como sobreviviam, entretanto, é um conhecimento precário e hipotético na maioria das vezes. De muitas delas restam-nos apenas pedras e ossos para imaginarmos o que faziam e pensavam.
Ditadores e fanáticos religiosos sempre souberam disso, por isso queimaram livros e impuseram censura tão severa quanto possível. Ninguém pode avaliar o que perdemos em conseqüência de toda sorte de fanatismos, guerras e intolerâncias.
Idealizamos nossos ancestrais, até os mais próximos, de diversas formas. A convicção de quem eram eles, entretanto, depende demais do que escreveram, mais ainda porque qualquer outra forma de registro de suas vidas aparece de forma extremamente limitada, angustiando-nos quando desejamos saber mais a nosso respeito.
Escrever é uma arte essencial até nas ciências exatas. Como registrar conhecimentos com precisão, se não fazendo relatórios, livros e tratados que outros possam analisar, questionar a até aprimorar ou negar?
Não se pode, contudo, exigir perfeição gramatical, textos intocáveis.
A escrita é dinâmica, muda a relação entre sons e formas, pois, se temos tantas línguas, isso se deve a variações e misturas locais de povos que, pelo uso, consagraram símbolos, fonemas e expressões que, ao final, se consolidaram após alguma grande obra publicada, literária. No Brasil ainda encontramos nações pré-colombianas e colecionamos quase duzentas culturas diversas (Jaime Pinsky, 2008) com formas de comunicação diferentes. Foi necessária a força de império para a adoção tácita da Língua Portuguesa, sem esquecer que temos outra, a gestual, a Linguagem Brasileira de Sinais, a LIBRAS.
Apenas no meio do século XVIII a língua Guarani deixou de ser usada cotidianamente no Brasil (Guarani, a língua proibida). Eric Hobsbawm descreve muito bem em seus livros sobre o século 19 e 20 o significado da linguagem, da religião e de hábitos culturais na formação de estados e na origem de guerras e racismos [ (A Era dos Impérios, 1875-1914, 2006) (A Era das Revoluções, 1789-1848, 2004) (A Era do Capital, 1848-1975, 2007) (Era dos Extremos, O breve século XX, 1914-1991, 1998) (Globalização, Democracia e Terrorismo, 2007)]. Mais uma vez vale a pena apontar outra obra magistral de Hannah Arendt (Origens do Totalitarismo, 2007) e até livros (sempre os livros) com títulos menos políticos, mas que refletem a personalidade humana de forma genial, como, por exemplo, o (O Senhor das Moscas).
Os tijolos dos livros são as palavras. Esses tijolos têm muitas formas, são feitos de diversas maneiras.
Assim, exemplificando, William Shakespeare (Shakespeare, sua época e sua obra, 2008) criou em torno de 1700 vocábulos e a língua inglesa mais do que triplicou de tamanho com novas palavras de lá até hoje. E o que era a língua inglesa antes desse gigante?
Vendo obras clássicas e até anúncios em jornais antigos comprovamos mudanças que não param e merecem registro, valorização e análises que academias de letras podem negar, consolidar, aplaudir e até fazer.
Livros e palavras têm novos formatos.
Ganhamos agora bibliotecas digitais, e-books e acesso a milhões de obras que até há pouco tempo eram praticamente inacessíveis. Que maravilha! Que potencial de transformações. Melhor ainda, o que quisermos dizer poderá ser registrado em sons, imagens e palavras. Os custos de edições digitais são inferiores às convencionais e podemos levar bibliotecas no bolso do casaco, sem medo de alergias. É a revolução das comunicações, da universalização cultural, da união dos povos, que assim descobrem que barreiras policiais são insuficientes para conter mensagens...
Temos, contudo, um desafio que precisa ser vencido.
Motivar nossos jovens a escrever, a escrever bem.
Vimos na última campanha eleitoral o mal que nos fazem a ignorância e a alienação. Nosso povo precisa urgentemente subir os degraus da democracia séria e responsável. Não somos exceção, não queremos, contudo, ser alinhados com os piores países.
Nossa entrada na Academia de Letras José de Alencar permite-nos ganhar um forte ambiente de discussão e análise disso tudo, quem sabe saindo daqui com propostas de ações positivas em benefício de todos, dentro e fora da ALJA.
Mas a literatura também é arte e como pode ser bela, atraente, agradável. Há pouco tempo meu amigo Antonio Miranda, o Tonicato, leu para nós, em uma reunião de amigos, uma carta de Helena Kolody dirigida a ele, descrevendo com seu estilo incomparável, as belezas da Língua Portuguesa; que momento especial foi aquele na voz de um escritor que teve a honra de ser amigo dessa grande paranaense.
Helena Kolody, é importante lembrar para nosso orgulho, ocupou a cadeira número 12, patrono Manoel Luiz de Matos, desta academia já na década de quarenta do século passado. (Academia de Letras José de Alencar - notícias)
Assim, meus agora confrades e confreiras, meus amigos e amigas, companheiros e companheiras de muitas lutas, tenho a honra de, em nome dos novos sócios, dizer apenas: muito obrigado pela oportunidade de estarmos entre vós, acadêmicos da ALJA.
João Carlos Cascaes
17.11.2010

Academia de Letras José de Alencar - notícias. (s.d.). Fonte: http://academiadeletrasjosedealencar.blogspot.com/
Arendt, H. (2009). A vida do Espírito. (C. A. Almeida, Trad.) Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira.
Arendt, H. (2007). Origens do Totalitarismo. (R. Raposo, Trad.) São Paulo: Editora Schwarcz Ltda.
Ferrero, G. (1945). O Poder, Os gênios invisíveis da cidade. (C. Domingues, Trad.) Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti - Editores.
Garcia, E. F. (2009). Guarani, a língua proibida. Fonte: História Viva: http://historianovest.blogspot.com/2009/07/guarani-lingua-proibida.html
Golding, W. O Senhor das Moscas. (G. G. Ferraz, Trad.) Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S.A.
Hobsbawm, E. (1998). Era dos Extremos, O breve século XX, 1914-1991 (Companhia das Letras ed.). (M. Santarrita, Trad.) São Paulo: Editora Schwarcz Ltda.
Hobsbawm, E. (2007). Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras.
Hobsbawm, E. J. (2004). A Era das Revoluções, 1789-1848. (M. P. Maria Tereza Lopes Teixeira, Trad.) São Paulo: Editora Paz e Terra S/A.
Hobsbawm, E. J. (2007). A Era do Capital, 1848-1975. (L. C. Neto, Trad.) São Paulo: Editora Paz e Terra.
Hobsbawm, E. J. (2006). A Era dos Impérios, 1875-1914. (Y. S. Sieni Maria Campos, Trad.) São Paulo: Paz e Terra.
Jaime Pinsky, C. B. (2008). História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto.
Miller, R. F. (1937). Os Grandes Sonhos da Humanidade, condutores de povos, sonhadores e rebeldes. (R. L. Quintana, Trad.) Porto Alegre: Livraria do Globo.
Montaldo, G. (Diretor). (1973). Giordano Bruno [Filme Cinematográfico].
Shakespeare, sua época e sua obra. (2008). Curitiba: Beatrice.

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