Excerto de um artigo meu intitulado “Os Desafios Actuais da
Defesa do Consumidor”, a publicar dentro de meses em obra
colectiva com a chancela da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo
(Prof. Rogério da Silva):
AS
“ASSOCIAÇÕES-EMPRESA” E AS “EMPRESAS-ASSOCIAÇÃO”... NO PARTICULAR DOMÍNIO DA
“TUTELA” DA POSIÇÃO DO CONSUMIDOR
1.
A recusa do “modelo” de “associações-empresa” e das
“empresas-associação” porque desvirtuante
A Europa, num
embuste de proscrever, entendeu desenhar um modelo assente numa filosofia
capitalista e em uma estrutura empresarial transnacional – a CONSEUR, S.A. (que
evoluiu para EUROCONSUMERS, S.A., numa adaptação ao inglês, tão em voga )
-, sediada no Luxemburgo (e que opera da
forma mais discreta) e com antenas mercantis num sem-número de países, tanto na
Europa como na América do Sul (como é patentemente o caso da Proteste, no
Brasil, seja qual for a forma que in situ
revista ou assuma).
Trata-se de
uma subversão autêntica do convencional modelo associativo dominado por um
Ideal prosseguido através de estruturas institucionais cujo escopo se aparta do
egoístico (em que a persecução do lucro é o leit
motiv…), em que não há, em rigor, associados, antes assinantes de revista
(s) arregimentados através de perniciosas (e condenáveis) estratégias
mercadológicas (persistentes, assediantes acções de marketing directo) que, ainda que denunciadas, em geral, são
marcadas por uma intolerável impunidade.
A excepção
que bem pode servir de espelho de virtudes aos Estados-nação em que um tal
equívoco tende a grassar com graves consequências para o modelo associativo
convencional (e que é susceptível de esvaziar o movimento associativo do que
lhe é próprio e dos princípios e valores que lhe subjazem) é a que a CODACONS (COORDENADORIA DAS ASSOCIAÇÕES PARA A
PROTEÇÃO DO AMBIENTE E DOS DIREITOS DE USUÁRIOS E CONSUMIDORES) * (nota),
associação italiana de direito privado sediada em Roma, deu, em tempos, nota,
através de um comunicado que reza o que segue:
(nota) A CODACONS é uma
associação de consumidores inscrita na lista de associações de consumidores e
usuários, que representa a nível nacional, de acordo com o Artigo 137, do
Decreto-Lei 206/05 (Código de Consumo) e Decreto do Ministério da Indústria de
15 de maio de 2000 e, como tal, componente do CNCU Conselho Nacional de
Consumidores e Usuários, possuindo legitimidade para atuar na tutela dos
interesses coletivos, com base no processo especial, conforme artigos 139 e 140
do referido Decreto).
É, outrossim,
O.N.L.U.S. - Organização sem fins lucrativos de utilidade social -, de acordo
com o Decreto-Lei 460/97, Associação de Voluntariado reconhecida conforme Lei
266/91 e Associação de Proteção Ambiental reconhecida conforme Lei l 349/86.)
“Subordinado ao dever legal e de acordo com o
Artigo 1o da Lei n.º 281/98, atualmente artigo 2.o do Código de Consumo (Decreto-Lei 206/05), que
obriga a fornecer informações corretas ao consumidor, devemos comunicar o que
segue:
A entidade conhecida como Comité para a Defesa do Consumidor -
ALTROCONSUMO, com sede à Via Valassina 22, Milão, foi objeto de decisão
judicial definitiva, prolatada em 15 de fevereiro de 2006, pelo Supremo Juiz
Administrativo do Conselho de Estado, cujo julgamento 611 (pode ser consultado
em www.giustizia-amministrativa.it), pelas razões explicitadas no comunicado à
imprensa anexo, sustentou a anulação do Decreto do Diretor-Geral da
Administração de Harmonização do Mercado e Proteção do Consumidor (um departamento
do Ministério Italiano de Atividades Produtivas), datado de 28 de novembro de
2002, pelo qual a referida entidade foi acrescentada à lista de associações
reconhecidas pelo artigo 5.o da Lei n.o 281/98 (atualmente artigo 137, Decreto-Lei
206/05).
Como consequência da referida sentença, essa
entidade não deverá e não poderá mais ser chamada de associação conforme
definido na lei retromencionada.
De facto, foi provado que essa entidade é
sustentada por empresas lucrativas italianas e estrangeiras.
Essa entidade deve também ser removida de
quaisquer órgãos italianos ou estrangeiros nos quais tenha sido admitida como
uma organização sem fins lucrativos para a defesa dos consumidores e, portanto,
também das organizações internacionais de consumidores.
Portanto, os destinatários do presente ficam
obrigados a comunicar por ocasião de qualquer citação de atividade, pesquisa ou
teste de produto executado pela ALTROCONSUMO
que, retroativamente a 2002, ela não se encontra na lista pertinente ao
Artigo 5.o da Lei 281/98 (atualmente 137 do Código do Consumo,
Decreto-Lei n.º 206/05) e nas diretivas europeias que a ela se refiram.”
Com efeito,
esta modelar decisão do Consiglio dello
Statto italiano (Conselho de Estado, à semelhança do francês Conseil d’
État ou do Supremo Tribunal Administrativo português) põe termo a um equívoco
que perpassa por outros países ainda, como a Bélgica, de onde é oriundo um tal
molde (em que protagonista principal é a Test-Achat), a França, a Espanha (OCU
– Organização de Consumidores y Usuários), Portugal (Deco-Proteste, Limitada, e
Deco-Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) em que os planos
pretensamente associativos e os objectivos marcantemente mercantis das
sociedades comerciais se cruzam e confundem e se espraiam pela comunidade como
se fora uma associação de consumidores autêntica, autónoma e genuína, quando na
realidade é de uma firma comercial que se trata e cujo objecto é o da
comercialização de um sem-número de publicações (revistas) como a Dinheiro
& Direitos, a Proteste (testes comparativos), Teste Saúde, Poupança Quinze,
Invest…, numa profusão de títulos que nenhuma associação de consumidores,
honestamente criada, jamais se permitiria por razões de franca economia, éticas
e de transparência.
As
associações de consumidores vazadas em modelos convencionais – e assentes numa
concepção que tem por cerne o Ideal que o não o Material – dispõem de um só
veículo – uma revista susceptível de tudo abarcar, mesmo nos países mais
desenvolvidos e nas mais prósperas das associações porque suportadas pelos seus
filiados de raiz e pelos serviços que prestam eventualmente a terceiros, numa
base de manifesto desinteresse material.
As
associações de consumidores autênticas, autónomas e genuínas não adoptam
métodos negociais desleais, como as estratégias mercadológicas que tais
empresas desenvolvem e de que se nutrem, em autêntica contrariedade à lei, com
comunicações não solicitadas à revelia do que as normas, em geral, prescrevem,
com o recurso permanente ao spam -
ilicitamente desencadeado - por meio de mala postal electrónica.
As
ilegalidades que se acumulam desmesuradamente não são perseguidas pelas
autoridades que detêm atribuições e competências neste particular. Em especial
em Portugal e em Espanha, para não referir o mais.
Para além do
que se consigna nos passos precedentes, registe-se que os jornais nos dão, por
vezes, conta de promiscuidades sem par
em processos de mascaramento ou encapotamento que de todo importa denunciar.
Atente-se no
que o PÚBLICO, na sua edição de 24 de Julho de 2006, em fundado artigo da
autoria do jornalista José António Cerejo, revela a tal propósito:
“Presidente
da Altroconsumo dirige a Deco-Proteste há um ano
Número um da organização italiana é o principal
representante da Euroconsumers na sociedade que edita as revistas dedicadas à
defesa do consumidor em Portugal
O presidente da Altroconsumo, a organização de
consumidores transalpina que o supremo tribunal administrativo de Roma excluiu
há meses da lista das associação de consumidores italianos, desempenha desde o
Verão do ano passado as funções de presidente da Deco Proteste Ld.ª, a editora
da Pro Teste e das outras revistas ligadas à Deco.
Paolo Martinelli, além de presidir à Altroconsumo, pertence também aos conselhos de administração da Euroconsumers SA - a empresa luxemburguesa que detém 75 por cento do capital da Deco Proteste (cabendo o restante à Deco, Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) - e de duas editoras italianas controladas pela Euroconsumers.
A circunstância de Martinelli acumular a direcção da Altroconsumo com a administração destas editoras, que são detidas num caso a cem por cento e noutro a 70 por cento pela Euroconsumers SA e editam revistas congéneres da portuguesa Pro Teste, constituiu o fundamento do acórdão que retirou àquela organização a capacidade legal de representar consumidores e o direito de receber apoios do Estado italiano (ver PÚBLICO de 20/7/2006).
Paolo Martinelli, além de presidir à Altroconsumo, pertence também aos conselhos de administração da Euroconsumers SA - a empresa luxemburguesa que detém 75 por cento do capital da Deco Proteste (cabendo o restante à Deco, Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) - e de duas editoras italianas controladas pela Euroconsumers.
A circunstância de Martinelli acumular a direcção da Altroconsumo com a administração destas editoras, que são detidas num caso a cem por cento e noutro a 70 por cento pela Euroconsumers SA e editam revistas congéneres da portuguesa Pro Teste, constituiu o fundamento do acórdão que retirou àquela organização a capacidade legal de representar consumidores e o direito de receber apoios do Estado italiano (ver PÚBLICO de 20/7/2006).
No caso da Deco Proteste, que até ao princípio do ano passado tinha o nome de Edideco, o advogado italiano substituiu Maria Lídia Barreiros, que representava a Euroconsumers SA na administração da empresa, juntamente com três administradores belgas daquela sociedade.
A Euroconsumers SA é uma sociedade luxemburguesa cujo capital era maioritariamente detido, até há pouco, pela associação de consumidores belga Test-Achats e por uma cooperativa homónima, participando também no capital duas das editoras controladas pela sociedade em Itália e em Espanha e um antigo dirigente da união dos consumidores luxemburgueses (três por cento).”
Situações do
jaez destas não são nem prestigiantes para estes conglomerados empresariais em
que os desvirtuamentos imperam, nem salutares para o movimento autêntico de
consumidores em que se propalam ainda os princípios na sua pureza original, já
que os deliberados equívocos que tendem a gerar-se visam ludibriar os
consumidores, enredando-os em processos nada transparentes de que são, afinal,
as principais vítimas neste jogo de espelhos em que ninguém se reconhece,
afinal.
Mais grave é
que as associações, pretensamente de escopo altruístico, nem sequer tenham
filiados, antes considerem como associados seus os assinantes de revistas de
empresas transnacionais em que detêm, quando muito, uma quota na participação
social que, no caso português, ascende a 25%.
A mais que
isso, o embuste decorrente do facto insólito
de cunharem uma empresa transnacional de escopo egoístico, uma sociedade
anónima multinacional, como associação sem fins lucrativos, o que constitui um
inaudito atestado de estupidez passado aos cidadãos-consumidores em geral e, em
particular, aos que são enredados no processo que os levam a subscrever as
revistas da entidade multinacional, como consta, aliás, de uma afirmação feita
ao jornalista José António Cerejo, do PÚBLICO, periódico editado em Lisboa:
“Quanto à Euroconsumers, qualificou-a [o secretário-geral
da pretensa associação de consumidores, a Deco] como "uma ASBL"
(associação sem fim lucrativo) - embora seja de facto uma sociedade anónima - e
disse que não há qualquer repartição de lucros.
"Revertem para uma fundação que os orienta para o
movimento associativo."
De acordo com as últimas contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a Deco Proteste, Ld.ª, obteve em 2003 um lucro líquido de um milhão e 811 mil euros.”
Não há
elementos actuais disponíveis acerca dos impressionantes lucros de uma tal
empresa, mas a pretensa associação assevera que tem para cima de 420 000
“associados” (dados de Fevereiro de 2014 revelados ao Diário de Notícias, de
Lisboa (as aspas são de nossa exclusiva
responsabilidade), o que, a ser verdade, levaria a que esse número
assinalável de assinantes de revista ou revistas sobrepujasse o que de mais
relevante se conhece no seio da mídia na
Europa (não se ignore que o PSOE - Partido Socialista Operário Espanhol -
dispõe de 198 000 associados, num universo de cerca de 45 000 000 de
habitantes, conforme dados revelados na edição electrónica de 12 de Julho de
2014 pelo jornal El País, de Madrid).
O facto de
entidades empresariais (que deliberadamente se confundem com associações de
escopo não egoístico) estarem eventualmente isentas de impostos constitui uma
forma de evasão fiscal, que não pode de nenhum modo tolerar-se. A mais que
isso, não se consente que recebam eventuais subvenções do Estado sejam quais
forem as actividades a que se destinem.
E que
estejam legitimadas, como ocorre em Portugal, como titulares da acção popular,
por exemplo, como sucede entre nós, quando a lei expressamente o veda, tal como
se pode conferir ao transcrever-se o artigo 3.º da Lei da Acção Popular (Lei
n.º 83/95, de 31 de Agosto):
“Art.º 3.º
Legitimidade activa das associações e fundações |
Constituem requisitos da legitimidade activa
das associações e fundações:
a) A personalidade jurídica; b) O incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate; c) Não exercerem qualquer tipo de actividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais.”
E, no entanto, não raro aí está o “braço” associativo
da empresa (ou a “associação”, detentora de títulos de uma empresa mercantil
editorial) a demandar os seus concorrentes ou outros que no mercado violam
alegadamente a lei… em detrimento do consumidor!
Ademais, o que a empresa desenvolve, em termos
nem sempre transparentes, como actividade mercantil, surge nos media (na mídia) imputado à associação, do que lhe advém um acréscimo de exposição, de notoriedade
em detrimento das associações autênticas, autónomas e genuínas que
desenvolvem no mercado de consumo as suas actividades e que são assim
ofuscadas na sua acção, desacreditando-se, quer porque os níveis de
intervenção são inferiores a esse cúmulo empresa + ”associação” quer porque o
Estado as segrega da partilha dos dinheiros de um Fundo (constituído não por
dinheiros dos contribuintes, mas dos consumidores que não reclamaram as
cauções depositadas nos serviços públicos essenciais no momento da celebração
dos contratos de fornecimento respectivos).
Daí que este conúbio associação/empresa
e/ou empresa/associação, densificado pelo emprego comum de um “petit nom” , adoptado, de resto, no
giro comercial de uma delas, seja, para além de ilegal, algo que caberia ao
Ministério Público, como garante da legalidade, contrariar mediante as
competentes acções judiciais, factor de um ludíbrio permanente da comunidade
de consumidores, que nem sequer é respeitada por uma “entidade” que supõe ser
una (uma e uma só) e que entende estar ao seu serviço, de modo directo ou
reflexo.
Parece curial
que um tal modelo seja de proscrever como de deplorar que advogados haja que
“arvoram” os seus escritórios mal sucedidos em “associações” para tirarem vantagem da ignorância dos
consumidores e se locupletarem à custa alheia e em detrimento dos interesses
reais e autênticos das vítimas do mercado, duplamente vítimas na
circunstância.
O pretenso
modelo, a que a Europa mal reage (mas que serve “pour épater les bourgeois”, para iludir os “parolos”, os
“papalvos”, como se diz em bom português e para exportar para a América
Latina…) não pode ser saudado como um figurino de propor ou de recomendar.
Pelo contrário,
há que convocar as autoridades a que incumbe a salvaguarda da legalidade para
que estes embustes, estes artifícios e estas associações-fantasma sejam
denunciados, desmascarados e clarificadas as situações: a cada um o seu
espaço, empresas com empresas, associações no universo próprio do tecido
associativo sem subversão dos fins nem corrupção dos meios.
Até para se
respeitar em plenitude o estatuto do consumidor e a sua sacrossanta carta de
direitos.
No mais, a
abjecta exploração dos consumidores por pretensas associações que se dizem ao
seu serviço só reforça a repugnância que situações do jaez destas provocam
nas pessoas mais esclarecidas e críticas que reagem com veemência à forma
como tais “instituições” desconsideram todos os que enredam na sua execrável
trama porque tecida de vis indignidades.
A esta vilania
há que reagir de forma enérgica, assumindo os cidadãos-consumidores as
atitudes consentâneas que o continuado logro - que da Europa transpõe
fronteiras para a América do Sul e para África – exige, reclama
instantemente!
O desafio
que neste particular se consubstancia é o de se pugnar incessantemente, no
terreno, contra esta confusão conceitual de associações/empresas e de
empresas/associações, geradora de inestimáveis prejuízos, em que se enredam
os consumidores na sua inocência, candura, ingenuidade, marcante boa-fé…
A mais
feroz recusa, a mais inflamada rejeição a “este” engenhoso “modelo” que
considera os consumidores como rematados “papalvos”… a quem parece lícito
“vender gato por lebre” também aqui!
Força é
escorraçar os “vendilhões do templo”.
Haja um
Cristo de chibata em punho que se disponha a escorraçá-los, passe a aparente
e vaga justaposição a uma qualquer intervenção panfletária em artigo com o
estilo e a configuração deste.
Uma lei das
associações neste passo recortadas é algo de imprescindível para frear ab ovo estas artificiais construções
em detrimento dos consumidores e das associações que se reclamem de
genuinidade e de estrita observância ao Ideário em que se revêem os seus
membros fundadores e os mais que se lhes juntem.
A exposição
no pelourinho público e o tratamento adequado a tais “associações” - eis o
que se exige para estes malandrins que zombam da ingenuidade dos mais e
colhem vantagens acrescidas do seu sórdido labor!
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