quinta-feira, 27 de julho de 2017

Se não tem tu...

Se não tem tu...
Cardoso Filho


Certa vez, Pelé declarou que o brasileiro não sabia votar e causou furiosa e hipócrita reação de inúmeros intelectuais. Ele estava certo, mas sobrou má vontade em entender o que quis dizer – que boa parte joga fora o voto. E é tão verdade que há quem pergunte se democracia não seria um luxo para os subdesenvolvidos, em que os eleitores votam sem discernir os bons dos maus. Votam no cabresto, a troco de algum favorzinho safado, de uma dentadura, um par de sapatos, de alguma promessa de recompensa, de um trocado na mão, e por aí vai. Então, quando se olha para o quadro político brasileiro, moralmente minado, doente, tomado de corrupção, não há motivo para espanto. Ele é a cara do nosso voto.
O ruim pode sempre piorar. É o ponto em que estamos. Olha-se o panorama e não se vê praticamente ninguém com estatura para governar o país com altivez, coragem e competência. Nossos quadros políticos estão comprometidos até o tutano com a ladroagem pura e simples. Poucos se salvam. Pior é que o Brasil precisar sanear-se no executivo, legislativo e judiciário. Serviço completo. Há muita sujeira e abusos a varrer para o lixo, a incinerar. Só que ninguém começa a tarefa, ninguém dá o exemplo. Ao contrário. O país se afunda em calamidade econômica, quatorze milhões de desempregados batem de porta em porta na busca de qualquer emprego, a miséria nos afronta, há milhões que passam fome e frio, ou padecem por falta de saúde pública, há os que morrem pelas armas do crime desembestado que toma as cidades, grandes ou pequenas, mas lá em cima, no comando do barco, a farra continua. Empreguismo no serviço público, salários absurdos e mordomias desbragadas, vantagens e mais vantagens a título de indenização de despesas como o vergonhoso auxílio-moradia pago indistintamente a todos os magistrados, e ninguém dos que se locupletam com a rapinagem sequer esboça, diante dessa ruína moral, um arzinho de nojo, um suspiro de pudor, um ruborzinho de constrangimento. Nada. A vergonha pediu o chapéu e foi embora faz tempo. A atividade febril é para brecar a Lava-Jato, fugir do acerto de contas com a Justiça e salvar todas as ratazanas. Eis o Brasil em frangalhos de hoje.
Dias atrás, a propósito da crônica “Diário de um pracinha”, um amigo leitor revelou-me que a “Canção do Expedicionário”, composição de Spartaco Rossi e letra do poeta Guilherme de Almeida, lhe provocava forte emoção. Respondi-lhe que também a mim. Por outro lado, entristecidos nos confessamos um ao outro que o Hino Nacional Brasileiro não surte mais o mesmo efeito. O fenômeno é compreensível. O Brasil encontra-se tão vilipendiado, ultrajado, que o brasileiro perdeu o orgulho pela pátria. E me recordo de que no fatídico jogo Alemanha 7 x 1 Brasil, na Copa de 2014, disputado no estádio Mineirão, muitos brasileiros não lamentaram a derrota. A humilhação fez parte do desamor.
Estamos assim. Encalhados, sem saber se o presidente Temer sai ou fica, e ninguém lamenta a desgraça do homem, pois afinal ele e seu partido (PMDB) foram sócios do governo petista durante treze abomináveis anos. Fazem parte do desastre e maracutaias. E se sair, virá Rodrigo Maia, outra lamentável figura, e virá eleição indireta, e sabe-se lá o que pode mais acontecer.
Daí ser possível entender o crescimento do contundente Jair Bolsonaro como nome para a presidência da república em 2018, para horror dos “politicamente corretos”, essa turba ruidosa que veio para estragar o mundo, e o ódio das esquerdas. É que a maioria dos brasileiros está pelas tampas com o que acontece por aqui. Não suporta mais a sem-vergonhice impune e o descalabro e vê em Bolsonaro o homem que encarna e verbaliza a indignação que lhe ferve nas veias e seu anseio por ordem, segurança e respeito que tanta falta fazem ao país. Quer um basta na canalhice que subjugou o estado brasileiro. Quer uma faxina geral, desde a diretoria até o porão, de um jeito ou outro. Quer as reformas que os políticos de agora jamais farão, porque a estes não interessa drenar o pântano em que chafurdam e se esbaldam.
Não faço aqui apologia de Bolsonaro. Apenas constato e entendo o fenômeno, que tenderá a crescer na proporção em que o Brasil seguir no descaminho. É um salvacionista? Truculento? Quem sabe? A verdade é que o desespero brasileiro, diante do deserto de nomes, mais se aproxima, para o bem ou para o mal, do velho adágio: “se não tem tu, vai tu mesmo”.

Julho de 2017.


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